Bruxismo em crianças
A dentista Maria Clotilde Carra & colaboradores conduziram um estudo descritivo sobre a ocorrência de bruxismo em crianças e adolescentes [1]. O bruxismo foi operacionalizado de duas formas diferentes: durante a vigília e durante o sono. O bruxismo durante a vigília foi definido como uma atividade parafuncional, na qual os músculos da mastigação são mantidos contraídos de forma sustentada devido à aproximação entre as arcadas dentárias. O bruxismo durante o sono foi definido como um distúrbio de movimento, caracterizado por atividade muscular intermitente dos músculos da mastigação, passível de ser registrada pela eletromiografia durante a polissonografia. Ruídos resultantes do atrito entre os dentes podem ou não ocorrer.
Participaram do estudo 604 crianças e adolescentes. A faixa etária variava entre 7 e 17 anos, com idade média de 13 anos. Os sujeitos buscaram tratamento ortodôntico para diversas formas de anomalias craniofaciais.
Foram utilizados dois instrumentos de avaliação. Primeiro, foi aplicado um questionário, que investigava o histórico médico e dentário, bruxismo diurno e noturno, disfunção temporomandibular e alterações de sono. Em seguida, foi realizada avaliação clínica ortodôntica de todos os sujeitos, a qual compreendia:
- Análise do perfil lateral da face: convexo, reto ou côncavo.
- Análise dos terços frontais da face: braquifacial, mesofacial ou dolicofacial.
- Visualização do ângulo do plano mandibular: reduzido, normal ou aumentado.
- Assimetrias da face em relação à linha média dentária.
- Tamanho das amígdalas: normal ou obstruindo mais de 50% da cavidade aérea.
- Tamanho da língua: pequena, normal, grande ou crenada (com marcas nas laterais).
- Movimentos mandibulares laterais: normais ou limitados.
- Presença de mordida aberta (“overjet”).
- Presença de sobremordida (“overbite”).
- Presença de mordida cruzada.
- Abertura máxima da boca.
- Curvatura do palato duro: retificado, curvado ou profundo.
- Classificação de Angle em relação aos molares e caninos.
Em relação à amostra de 604 crianças e adolescentes, 10% dos pais referiram que seu filho (a) apresentava bruxismo durante a vigília, enquanto 15% referiram que seu filho (a) apresentava bruxismo durante o sono. Essa amostra foi posteriormente reduzida, tendo os sujeitos sido agrupados da seguinte forma:
- Aqueles com referência a apenas bruxismo durante a vigília (42 sujeitos);
- Aqueles com referência a apenas bruxismo durante o sono (58 sujeitos);
- Aqueles sem referência a bruxismo ou a qualquer outro hábito parafuncional (220 sujeitos).
Os demais sujeitos foram excluídos das análises, porque apresentavam apenas outros hábitos parafuncionais (como morder os lábios ou morder ponta de lápis/caneta) ou porque apresentavam bruxismo durante a vigília e também durante o sono. Assim, a amostra final foi composta por 320 sujeitos.
A tabela a seguir mostra resultados estatisticamente significativos na comparação dos grupos com bruxismo em relação ao grupo controle.
BRUXISMO DURANTE O SONO | BRUXISMO DURANTE A VIGÍLIA | |
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Idade | 70% do grupo composto por crianças (idade menor ou igual a 12 anos) | 80% do grupo composto por adolescentes (idade maior ou igual a 13 anos) |
Hábito de morder lápis ou caneta | 20% | 30% |
Hábito de morder lábios | 25% | 35% |
Hábito de roer unhas (onicofagia) | 45% | 50% |
Tipo facial | 30% braquifacial (percentual maior em comparação ao grupo controle) | |
Classificação de Angle | 60% classe II (percentual maior em comparação ao grupo controle) | |
Movimentação lateral da mandíbula | 15% (percentual maior em relação ao grupo controle e ao grupo com bruxismo durante o sono) |
|
Desgaste dentário | 15% (percentual maior em comparação ao grupo controle) | 10% (percentual maior em comparação ao grupo controle) |
Cefaleia | 10% (percentual maior em comparação ao grupo controle) | |
Disfunção temporomandibular (estalos ou travamento) | 10% (percentual maior em comparação ao grupo controle) | 20% (percentual maior em comparação ao grupo controle) |
Fadiga nos músculos mandibulares | 10% (percentual maior em comparação ao grupo controle) | 15% (percentual maior em comparação ao grupo controle) |
Dificuldade para bocejar | 10% (percentual maior em comparação ao grupo controle) | 15% (percentual maior em comparação ao grupo controle) |
Respiração oral | 70% (percentual maior em comparação ao grupo controle) |
|
Boca seca ao acordar pela manhã | 55% (percentual maior em comparação ao grupo controle) |
|
Respiração pesada durante o sono | 25% (percentual maior em comparação ao grupo controle) | |
Sonolência diurna | 5% (percentual maior em comparação ao grupo controle) | 20% (percentual maior em comparação ao grupo controle) |
Acordar cansado pela manhã | 20% (percentual maior em comparação ao grupo controle) | 50% (percentual maior em relação ao grupo controle e ao grupo com bruxismo durante o sono) |
Dificuldade para acordar pela manhã | 30% (percentual maior em comparação ao grupo controle) | 50% (percentual maior em relação ao grupo controle e ao grupo com bruxismo durante o sono) |
Dificuldade para iniciar o sono | 50% (percentual maior em comparação ao grupo controle) | 55% (percentual maior em comparação ao grupo controle) |
Dificuldade para manter o sono | 55% (em relação ao grupo controle e ao grupo com bruxismo durante o sono) |
|
Dificuldade para manter atenção e não se distrair com estímulos externos | 40% (percentual maior em comparação ao grupo controle) | 35% (percentual maior em comparação ao grupo controle) |
Inquietação, com maior movimentação de mãos e pés | 25% (percentual maior em comparação ao grupo controle) | 40% (percentual maior em comparação ao grupo controle) |
Dificuldade para esperar sua vez, sem interromper os outros | 15% (percentual maior em comparação ao grupo controle) | 20% (percentual maior em comparação ao grupo controle) |
Como pode ser visto pela tabela acima, a referência a hábitos parafuncionais é bastante comum em sujeitos com algum tipo de bruxismo. Assim, a criança ou o adolescente que apresenta bruxismo muito provavelmente vai apresentar um hábito parafuncional concomitante (como morder lápis ou caneta, morder os lábios ou roer unhas). Ou seja, não é apenas o bruxismo que sobrecarrega a musculatura mastigatória: a sobrecarga é intensificada por um hábito parafuncional.
O desgaste dentário, embora frequentemente citado como consequência do bruxismo, não é exclusivo deste distúrbio e não diferencia os dois tipos de bruxismo. Refluxo gastroesofágico, vômito induzido (como ocorre na bulimia) e certos sprays para tratamento de asma também podem levar à erosão dentária [2]. Por isso, é necessário realizar diagnóstico diferencial neste aspecto.
O estudo de Carra & cols [1] indicou que há características compartilhadas entre os dois tipos de bruxismo, tais como: presença de hábitos parafuncionais, desgaste dentário, fadiga nos músculos mandibulares, dificuldade para bocejar, disfunção temporomandibular, sonolência diurna, dificuldades de concentração e inquietação motora. Por outro lado, o estudo também demonstrou que há outras características que tendem a ser mais frequentes em um tipo de bruxismo do que no outro. Assim, o grupo com bruxismo durante o sono tende a ser composto por crianças, tipo braquifacial, classe II de Angle, com cefaleia, com dificuldades para iniciar o sono e com respiração pesada/ruidosa durante o sono. Já o grupo com bruxismo durante a vigília tende a ser composto por adolescentes, com restrição na movimentação lateral da mandíbula, com dificuldade para manter o sono, com respiração oral durante o sono e com referência a acordar cansado pela manhã ou com maior dificuldade para acordar pela manhã.
O estudo indica que 25% das crianças e adolescentes apresentam algum tipo de bruxismo (diurno ou noturno). Ou seja, é um achado comum na infância e na adolescência. A presença do bruxismo e de hábitos parafuncionais concomitantes leva à sobrecarga e à fadiga da musculatura mandibular, com restrição de mobilidade da mandíbula. Além de prejudicar a qualidade e a quantidade de sono, com presença de sonolência diurna (independente de o bruxismo ser diurno ou noturno). Pensando no caso das crianças e adolescentes que apresentam bruxismo e também apresentam gagueira, a sobrecarga na musculatura mandibular pode dificultar o controle dessa musculatura durante a fala e os impactos do bruxismo no sono pode dificultar a aprendizagem de longo prazo das estratégias de fala.
Referências
[1] Carra, M. C.; Huynh, N.; Morton, P.; Rompré, P. H.; Papadakis, A.; Remise, C. & Lavigne, G. J. (2011). Prevalence and risk factors of sleep bruxism and wake-time tooth clenching in a 7- to 17-yr-old population. European Journal of Oral Sciences, 119: 386-94.
[2] Saulue, P.; Carra, M. C.; Laluque, J. F. & d’Incau, E. (2015). Understanding bruxism in children and adolescents. International Orthodontics, 13: 489-506.