Dia da Língua Nacional

maio 21, 2012 | por Sandra Merlo | Diversidade linguística

REGALI BRASILEDia 21 de maio é o Dia da Língua Nacional.

É curioso: o nome da data deixa explícito a crença de que um país possui somente uma língua nacional. Quantas línguas nacionais existem no Brasil? Talvez muitos dirão: “Só o português, claro”. Claro?! Bom, até o IBGE acha que é assim…

O português é a língua oficial, conforme estabelece o Art.13 da Constituição:

“A língua portuguesa é o idioma oficial da República Federativa do Brasil”.

Por “língua oficial”, entende-se aquela que é utilizada pelo Poder Público. Entretanto, o português não é a única língua nacional do Brasil.

Segundo estimativas do Ministério da Cultura, existem cerca de 180 línguas indígenas sendo faladas neste momento no Brasil (veja lista). Muitas línguas indígenas estão ameaçadas de extinção devido ao pequeno número de falantes e devido à grande interação dos povos indígenas com falantes do português. Entretanto, a importância de certas línguas indígenas é tão grande, que elas são adotadas como línguas co-oficiais de certos municípios. Por exemplo, na cidade de São Gabriel da Cachoeira (AM), como a maioria dos habitantes é indígena, existem três línguas indígenas consideradas co-oficiais: nheengatu, tukano e baniwa. São Gabriel da Cachoeira foi a primeira cidade brasileira a ter outras línguas oficiais além do português. Outro exemplo: o município de Tacuru (MS) possui a língua guarani como co-oficial devido à grande população indígena que não fala português.

Ainda segundo estimativas do Ministério da Cultura, existem 30 línguas de imigração. Em algumas cidades, a influência das línguas estrangeiras é muito grande e elas foram elevadas à condição de língua co-oficial. Por exemplo, na cidade de Pomerode (SC), como a grande maioria dos habitantes é descendente de alemães e é bilíngue, a língua alemã foi estabelecida como co-oficial. Outro exemplo: o município de Serafina Corrêa (RS) possui o talian, variante do italiano, como língua co-oficial.

Também temos as línguas de contato, criadas espontaneamente a partir da interação entre falantes de línguas diferentes. É o caso do portunhol, comum em toda a fronteira do Brasil com outros países latino-americanos. A interação de falantes do português com falantes do espanhol tende a aumentar com o fortalecimento do Mercosul, o que aumenta as chances do portunhol passar a ser uma das línguas nativas dos habitantes da fronteira daqui há alguns anos. Se isso acontecer, o portunhol então passará à categoria de língua crioula.

Também temos as línguas afro-brasileiras, provenientes do contato das línguas africanas com o português. A origem dessas línguas remonta à escravidão, quando escravos de diferentes países e com diferentes línguas passavam a conviver. Atualmente, são línguas utilizadas em comunidades afro-brasileiras, remanescentes de quilombos. Um exemplo é a Gira de Tabatinga, utilizada em Bom Despacho (MG), proveniente da interação do português com o quimbundo e o umbundo (línguas faladas até hoje em Angola, na África). Outro exemplo é a cupópia, língua utilizada no bairro do Cafundó em Salto do Pirapora (SP), proveniente do português com o quimbundo.

Além disso, também existem pelo menos duas línguas de sinais no Brasil. As línguas de sinais são línguas verdadeiras, no sentido de que são sistemas simbólicos com regras próprias. A língua utilizada pela maior parte da comunidade surda é a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), reconhecida oficialmente pelo Poder Público. A Língua Brasileira de Sinais é chamada de “brasileira”, porque é diferente da Língua de Sinais Japonesa, por exemplo. Da mesma forma que um falante nativo do português não compreende um falante nativo do japonês, um sinalizador da Língua Brasileira de Sinais também não compreende um sinalizador da Língua de Sinais Japonesa. Importante: a Língua Brasileira de Sinais não é o português em sinais. Além da LIBRAS, também existe no Brasil a língua de sinais gesticulada na tribo Urubu-Kaapor, localizada no sul do Maranhão. A língua de sinais emergiu espontaneamente na tribo devido ao alto índice de surdez. A maior parte dos habitantes da tribo é bilíngue (língua falada e de sinais).

Temos, portanto, cerca de 220 línguas faladas no Brasil atualmente. Ou seja, é um mito falar em “unidade linguística do Brasil”: o mais correto é falar em “pluralidade linguística do Brasil”.

 

Ótimo Dia das Línguas Nacionais!

 

 

* Agradeço ao colega linguista André Nogueira Xavier pela discussão sobre línguas de sinais.