Doença de Parkinson e exercícios físicos

jun 24, 2013 | por Sandra Merlo | Doença de Parkinson, Gagueira

Exercícios físicos (incluindo exercícios para fala) são úteis para a melhora dos sintomas motores na doença de Parkinson, porque induzem o aumento do número de receptores dopaminérgicos e o aumento da síntese de dopamina pelos neurônios remanescentes.

Neste último texto da série, discuto a terapia fonoaudiológica para a disartria da doença de Parkinson. São revisadas pesquisas que mostram quais são as modificações anatômicas e fisiológicas que ocorrem no cérebro de uma pessoa com Parkinson quando ela pratica exercícios físicos ou exercícios de fala. São abordadas questões como:

  • Os exercícios realmente melhoram o desempenho motor de uma pessoa com Parkinson?
  • Os exercícios aumentam a concentração de dopamina?
  • Os efeitos dos exercícios são temporários ou se mantém ao longo dos anos?
  • A reabilitação deve ser indicada apenas para casos graves?

Não consegui encontrar nenhum artigo específico sobre a terapia da gagueira na doença de Parkinson.

 

Efeitos dos exercícios físicos na doença de Parkinson

Marta Vuckovic & colaboradores publicaram um artigo sobre os efeitos do exercício físico em um modelo animal da doença de Parkinson. Uma possibilidade para criar um modelo animal é injetar MPTP (sigla em inglês para 1-metil-4-fenil-1,2,3,6-tetra-hidropiridina) em camundongos, porque a MPTP é uma substância tóxica para neurônios dopaminérgicos.

No estudo, foram utilizados 164 camundongos machos com oito semanas de vida. Metade dos camundongos foi lesionada com injeções de MPTP. Os demais camundongos não foram lesionados, apenas receberam injeções de solução salina. Metade dos camundongos foi submetida a exercícios físicos: eles correram em tambores de rotação durante uma hora, cinco vezes por semana, por seis semanas. Desta forma, os camundongos foram igualmente divididos em quatro grupos:

  1. Injeção de solução salina
  2. Injeção de solução salina + exercício
  3. Injeção de MPTP
  4. Injeção de MPTP + exercício

Antes das injeções, o desempenho motor dos camundongos era equivalente: eles corriam no tambor com velocidade média de 11 m/min. As injeções de MPTP prejudicaram o desempenho motor dos camundongos, reduzindo significativamente a velocidade com que corriam no tambor. Da primeira até a quarta semana de treinamento, houve diferença significativa nas velocidades de corrida dos camundongos lesionados e dos não lesionados. Entretanto, na quinta e na sexta semana de treinamento, já não havia mais diferenças significativas entre os camundongos lesionados e não lesionados que fizeram exercício: os camundongos lesionados corriam com velocidade média de 17 m/min, enquanto os não lesionados corriam com velocidade média de 22 m/min. Por outro lado, após seis semanas, o grupo de camundongos lesionados que não fez exercício continuava apresentando desempenho inferior, correndo com velocidade média de 7 m/min. Ou seja, os exercícios físicos realmente melhoraram o desempenho motor dos camundongos que foram lesionados com MPTP.

Os exercícios afetaram de forma diferente os receptores dopaminérgicos D1 e D2 do estriado. Os camundongos lesionados que fizeram exercício apresentaram 49% mais receptores D2 em comparação aos camundongos lesionados que não fizeram exercício. Não houve diferença em relação aos receptores D1.

Dez dias após as injeções, os camundongos lesionados apresentavam 82% menos dopamina em relação aos não lesionados. Após as seis semanas de treinamento, os camundongos lesionados apresentavam 78% menos dopamina em relação aos não lesionados. Portanto, o déficit de dopamina persistia de maneira significante, entretanto o desempenho motor dos camundongos lesionados que fizeram exercício era equivalente aos dos não lesionados devido ao aumento dos receptores D2 no estriado. Ou seja, o exercício físico não foi capaz de aumentar o nível de dopamina por não ser capaz de induzir a regeneração de neurônios da substância negra. Mas foi capaz de aumentar o número de receptores dopaminérgicos, que melhor captaram a dopamina existente, melhorando o desempenho motor.

Beth Fisher & colaboradores demonstraram o mesmo efeito em pessoas com Parkinson em estágios iniciais da doença. Seis sujeitos participaram do estudo: dois adultos com Parkinson que fizeram exercício físico, dois adultos com Parkinson que não fizeram exercício físico e dois adultos sem Parkinson que fizeram exercício. O exercício consistia em andar em uma esteira três vezes por semana, durante oito semanas. Os sujeitos com Parkinson que fizeram exercício físico apresentaram melhor controle postural após as oito semanas de treinamento em relação aos que não fizeram exercício. Além disso, o exame de neuroimagem funcional (PET Scan) indicou aumento nos receptores dopaminérgicos D2 nos pacientes com Parkinson que fizeram exercício físico, o que não ocorreu nos pacientes que não fizeram exercício.

Michael Zigmond & colaboradores publicaram um artigo de revisão sobre o efeito neuroprotetor da prática de exercícios físicos em modelos animais da doença de Parkinson. Nos estudos, foram utilizados camundongos, ratos ou macacos. As lesões foram feitas com MPTP ou 6-hidroxidopamina (6-OHDA, na sigla em inglês), ambas substâncias tóxicas para neurônios dopaminérgicos. Essas substâncias possuem grande afinidade com o transportador de dopamina, uma proteína localizada na membrana de neurônios pós-sinápticos e que controla a recaptação de dopamina existente na fenda sináptica. Quando essas substâncias ligam-se ao transportador de dopamina, induzem a ocorrência de disfunção da respiração mitocondrial e de estresse oxidativo no interior do neurônio. Se esses efeitos forem graves, a probabilidade de morte neuronal é alta.

Os exercícios físicos realizados pelos animais geralmente iniciaram três meses antes das lesões e continuaram por um ou dois meses após as lesões. Os resultados indicaram que a prática de exercícios físicos reduzia o déficit motor provocado pelas substâncias neurotóxicas e também reduzia a perda de neurônios dopaminérgicos. Os autores acreditam que a prática de exercícios físicos induz a expressão de fatores neurotróficos (como o GDNF, sigla em inglês para fator neurotrófico derivado da glia), os quais reduzem a vulnerabilidade dos neurônios às toxinas.

Os autores do estudo dizem haver evidências suficientes que indicam que a prática de exercícios físicos ao longo da vida se correlaciona negativamente com o desenvolvimento de doença de Parkinson na velhice. Assim, o exercício físico é uma estratégia preventiva para a doença. Além disso, o exercício físico também é uma estratégia terapêutica para a doença de Parkinson, porque sua prática regular retarda a morte dos neurônios dopaminérgicos remanescentes, aumenta a síntese de dopamina pelos neurônios residuais e aumenta o número de receptores de dopamina.

O efeito neuroprotetor da prática de exercícios levanta a possibilidade de que a terapia fonoaudiológica prévia ao desenvolvimento da doença de Parkinson também possa ter o mesmo efeito. Pessoas com gagueira que fizeram terapia e posteriormente desenvolveram Parkinson, teriam menor probabilidade de recidiva ou de piora da gagueira após o Parkinson? Pessoas que tiveram outro distúrbio de fala e fizeram terapia, teriam menor probabilidade de apresentar disartria após o desenvolvimento da doença de Parkinson?

Enfim, os resultados das pesquisas indicam que os exercícios físicos são efetivos para melhorar o desempenho motor de pessoas com doença de Parkinson, porque induzem o aumento do número de receptores dopaminérgicos e o aumento da síntese de dopamina pelos neurônios remanescentes. Os exercícios físicos também retardam o progresso da doença. Além disso, a prática de exercícios físicos antes do desenvolvimento da doença de Parkinson diminui a vulnerabilidade do cérebro ao processo degenerativo. Essas pesquisas também sugerem que os exercícios físicos devem iniciar tão logo a doença de Parkinson seja diagnosticada.

 

Método Lee Silverman

Cynthia Fox & colaboradores publicaram recentemente um artigo de revisão sobre as evidências disponíveis sobre o Método Lee Silverman, considerado o tratamento fonoaudiológico mais eficaz para a disartria hipocinética da doença de Parkinson.

A premissa básica do Método é o aumento da intensidade vocal. A produção de voz em alta intensidade amplia os movimentos respiratórios e laríngeos. Com a maior movimentação da caixa torácica e do diafragma, o suporte respiratório é aumentado. Com a maior movimentação das pregas vocais, ocorre melhor fechamento glótico.

As tarefas básicas do Método consistem na emissão de vogal sustentada e na produção de frases representativas da vida diária do paciente. A emissão da vogal sustentada [a] é feita com alta intensidade vocal, com e sem variação de pitch (15 repetições cada). A produção de frases é feita com alta intensidade vocal (cinco repetições para cada uma das 10 frases).

Também são feitos exercícios com o objetivo de manter a fala com alta intensidade vocal em outras tarefas, da produção de palavras isoladas até a leitura e a conversação. Essas atividades vão se tornando cada vez mais longas e complexas, sendo também adicionados fatores complicadores (como ruído de fundo).

O tratamento é esquematizado em sessões com uma hora de duração, realizadas quatro vezes por semana durante um mês (16 sessões ao total). Ou seja, a terapia é feita de forma intensiva, exatamente como preconizado pelas pesquisas com modelos animais.

Os resultados do Método Lee Silverman foram demonstrados por diversas pesquisas e abrangem:

  • Aumento na intensidade vocal devido à maior amplitude de movimentação da caixa torácica e ao aumento da pressão subglótica;
  • Melhora na qualidade vocal devido à maior amplitude de movimentação das pregas vocais e ao melhor fechamento glótico;
  • Melhora dos contrastes vocálicos devido à maior mobilidade de língua;
  • Redução da taxa de elocução também devido à maior mobilidade de língua;
  • Melhora na expressão facial devido à maior movimentação dos terços médio e inferior da face.

O Método Lee Silverman demonstra de forma muito elegante que o sistema de produção de fala é realmente um sistema. Ou seja, é impossível alterar um único parâmetro. Se um parâmetro é alterado, automaticamente haverá mudanças em outros parâmetros. Assim, apesar de o Método focar apenas a intensidade vocal, o aumento de amplitude dos movimentos subglóticos ocasiona aumento de amplitude dos movimentos glóticos e supraglóticos.

Após o mês de tratamento com o Método, por quanto tempo os resultados se mantêm? Os resultados são duradouros, sendo mantidos por pelo menos dois anos após o término do tratamento.

Um aspecto importante abordado no Método Lee Silverman é a pouca percepção dos sujeitos com Parkinson em relação à amplitude dos movimentos. No caso da fala, os pacientes não conseguem perceber que a voz está muito fraca, que a articulação está imprecisa ou que a taxa de elocução está muito elevada. Os pacientes são instruídos a exagerar os movimentos, sendo que o que parece muito exagerado para eles é o considerado normal para os outros. Assim, por exemplo, quando os pacientes ouvem sua fala gravada, a voz que parecia muito alta é percebida como tendo intensidade adequada ou até mesmo reduzida.

Até o momento, existem poucas pesquisas que estudaram as adaptações cerebrais provocadas pelo Método Lee Silverman. Mario Liotti & colaboradores publicaram um artigo e Shalini Narayana & colaboradores publicaram outro artigo. As duas pesquisas encontraram mudanças no padrão de ativação cerebral de sujeitos com Parkinson antes e depois da terapia com o Método. Basicamente, o padrão de ativação migrou do hemisfério esquerdo para o direito. Essa mudança é compatível com um padrão compensatório de ativação, típico de sujeitos com lesões cerebrais relacionadas à linguagem. Também é compatível com a premissa básica do Método, porque a intensidade vocal é um parâmetro suprassegmental da fala, sendo predominantemente controlada pelo hemisfério não dominante.

 

As pesquisas revisadas indicam, portanto, que são ultrapassadas as ideias de que exercícios não são úteis para a melhora dos sintomas motores na doença de Parkinson, que seus efeitos são temporários ou que devem ser iniciados apenas em casos mais graves da doença.

Para quem estiver interessado nos efeitos da levodopa e da estimulação cerebral profunda na disartria hipocinética da doença de Parkinson, sugiro o artigo de revisão escrito por Serge Pinto & colaboradores.