Gagueira e doença de Parkinson

jun 17, 2013 | por Sandra Merlo | Doença de Parkinson, Gagueira

A doença de Parkinson pode ocasionar recidiva de uma gagueira já recuperada. O tratamento medicamentoso pode ou não ter efeito sobre a fala.

Neste texto, discuto sobre casos de pessoas que apresentaram gagueira na infância e voltaram a gaguejar depois que desenvolveram doença de Parkinson. Também abordo os efeitos da levodopa e da estimulação cerebral profunda na gagueira de pessoas com Parkinson.

 

Reinício da gagueira com a doença de Parkinson

Joohi Shaded & Joseph Jankovic publicaram um artigo sobre seis indivíduos que tiveram recidiva da gagueira com o início da doença de Parkinson.

A gagueira dos pacientes teria iniciado aos seis anos de idade, em média. A gagueira infantil foi julgada como leve ou moderada pelos pacientes. Todos se recuperaram da gagueira quatro anos após seu início, em média. Cinco pacientes relataram fluência normal durante a idade adulta, enquanto um referiu gagueira discreta. Os pacientes apresentavam histórico familiar para gagueira, o que sugere predisposição genética para o distúrbio de fluência. Nenhum deles fez qualquer tipo de tratamento para a gagueira.

Esses seis pacientes apresentaram recidiva da gagueira quando desenvolveram doença de Parkinson. A idade de reinício da gagueira foi aos 54 anos, em média. A gagueira geralmente iniciou seis anos após o início do Parkinson. Na idade adulta, a gagueira foi julgada como leve, moderada ou grave pelos pacientes. Houve correlação positiva entre a gravidade da gagueira na vida adulta e a gravidade da doença de Parkinson. Os sintomas de evitação também se correlacionaram positivamente com a gravidade da gagueira. A terapia com levodopa não melhorou e nem piorou a gagueira.

Os casos podem ser interpretados de duas formas:

  • É sugestivo que a doença de Parkinson tenha sido o fator responsável pelo reinício da gagueira para os casos em que a gagueira recidivou na mesma época em que o Parkinson iniciou. Com base em hipóteses neuroquímicas atuais sobre as duas condições, é difícil explicar esta associação, porque a hipótese para a doença de Parkinson é de falta de dopamina, enquanto a hipótese para a gagueira é de excesso de dopamina.
  • No caso dos pacientes em que a gagueira recidivou anos após o início do Parkinson, a recidiva pode ser decorrência do efeito colateral de discinesia na musculatura orofacial relacionada à levodopa. Ou seja, o aumento da concentração de dopamina ocasionada pela levodopa teria levado à recidiva da gagueira. Esta hipótese, por outro lado, não entra em conflito com a hipótese do excesso de dopamina na gagueira.

Outra questão também pode ser levantada: esses casos são de “gagueira do desenvolvimento” ou de “gagueira neurogênica”? São casos como esses que questionam a distinção entre “gagueira do desenvolvimento” e “gagueira neurogênica”. Todas as gagueiras são neurogênicas no sentido de que todas implicam alteração no sistema nervoso central. Estudos recentes mostram que a disfunção neural pode ser ocasionada por fatores diversos, tais como: diminuição de substância cinzenta em áreas relacionadas à fala, alteração nos tratos de substância branca relacionados à fala, morte neuronal ou reação autoimune. O problema é que se comparam fatores não excludentes entre si. O termo “gagueira do desenvolvimento” utiliza como parâmetro a idade de início da gagueira, enquanto o termo “gagueira neurogênica” utiliza como parâmetro a participação do sistema nervoso na gagueira. Um fator não exclui o outro, porque a gagueira pode ser do desenvolvimento e neurogênica. Talvez a melhor alternativa seja nomear a gagueira de acordo com a hipótese etiológica (por exemplo, “gagueira hereditária”, “gagueira lesional”, “gagueira por reação autoimune”, etc.).

 

Gagueira, doença de Parkinson e levodopa

Jeffrey Anderson & colaboradores publicaram um artigo sobre o efeito da terapia com levodopa em um homem de 44 anos com Parkinson e gagueira. A gagueira teria iniciado ainda na infância e o Parkinson, aos 31 anos. As observações clínicas indicavam que, logo após a ingesta da medicação, os sintomas do Parkinson (acinesia, rigidez e tremor) diminuíam, enquanto a gagueira piorava. Aparentemente, ocorria exatamente o oposto conforme as horas fossem passando e o efeito da levodopa fosse diminuindo: os sintomas da gagueira melhoravam, mas o Parkinson piorava.

Para verificar se isso estava realmente ocorrendo, foram gravadas amostras de fala do paciente em seis situações:

  • Uma hora após a medicação (supostamente com níveis altos de dopamina): sessões 1, 2 e 3 “on”;
  • Quatro horas após a medicação (supostamente com níveis baixos de dopamina): sessões 1, 2 e 3 “off”.

Comparando os resultados da primeira sessão (“on” e “off”), o paciente gaguejou mais no estado “on”, ou seja, logo após tomar a medicação, com níveis altos de dopamina. Entretanto, não houve diferença no número de hesitações gaguejadas nas outras duas sessões quando se comparou os estados “on” e “off”. Infelizmente foi feita análise apenas quanto ao número de hesitações gaguejadas, mas não quanto à duração.

Os autores concluíram que os resultados do estudo oferecem suporte à hipótese do excesso de dopamina na gagueira. A minha leitura, entretanto, diz o contrário: se em duas das três sessões não houve diferença significativa entre o número de hesitações gaguejadas antes e após a ingesta da medicação, os resultados não oferecem suporte à hipótese do excesso de dopamina na gagueira. Os autores argumentam que os resultados não foram significativos na segunda e na terceira sessões devido ao efeito de adaptação, ou seja, as hesitações diminuíram porque os mesmos textos foram produzidos diversas vezes. De fato este efeito existe e pode realmente ser esta a explicação para a falta de significância estatística do experimento. Para comprovar isso, o estudo teria que ser refeito. Mas, face aos resultados, a conclusão natural é que o estudo não oferece suporte à hipótese do excesso de dopamina na gagueira.

No texto anterior desta série, falamos sobre o estudo de A. Goberman & M. Blomgren. A fala de diversos indivíduos com Parkinson foi gravada 30 minutos antes, 1 hora depois e 2 horas depois da ingesta da levodopa. Também não foram encontradas diferenças significativas no número de hesitações gaguejadas antes e depois da ingesta da medicação. Assim, este outro estudo também não corrobora a hipótese do excesso de dopamina na gagueira.

Também no texto anterior da série, falamos a respeito do estudo de Thomas Benke & colaboradores sobre as repetições hesitativas de indivíduos com Parkinson. Embora os 15 pacientes não tivessem diagnóstico de gagueira, todos eles apresentavam repetições hesitativas do tipo gagueira ou palilalia. A ingestão da levodopa também não modificava o número de repetições na fala desses pacientes.

 

Gagueira, doença de Parkinson e estimulação cerebral profunda

Harrison Walker & colaboradores publicaram um artigo sobre estimulação cerebral profunda em um paciente com doença de Parkinson e gagueira. Um homem de 58 anos com diagnóstico de doença de Parkinson foi submetido à estimulação cerebral profunda. A doença iniciou aos 48 anos, com os sintomas de micrografia, hipertonia no braço direito e tremor de repouso. Logo foi iniciado tratamento medicamentoso. A gagueira iniciou aos 52 anos e, segundo relato do paciente, não melhorava com a ingestão de levodopa-carbidopa. O paciente não referia histórico pessoal ou familiar de gagueira. Como o tremor, a instabilidade postural e a gagueira estavam interferindo negativamente na atuação profissional do paciente, decidiu-se complementar o tratamento medicamentoso com estimulação cerebral profunda. Foi implantado um eletrodo no núcleo subtalâmico à esquerda (hemisfério dominante para a linguagem neste paciente). O paciente referiu melhora de todos os sintomas com a ativação do eletrodo.

Para melhor avaliar o impacto da estimulação cerebral profunda na gagueira, foram feitas três sessões de avaliação da fluência. Antes das três sessões, o paciente permaneceu com o estimulador desligado por 12 horas consecutivas. Em duas das três sessões, o paciente também permaneceu sem ingerir a medicação dopaminérgica por 12 horas. Foram coletadas amostras de fala espontânea e de leitura em voz alta.

Os resultados indicaram que o percentual de sílabas gaguejadas foi de 10% com o estimulador desligado e de 1% com o estimulador ligado. A redução ocorreu para todas as hesitações gaguejadas: bloqueios, alongamentos e repetições. Além disso, os resultados indicaram que a gagueira também melhorava apenas com a medicação dopaminérgica, mas de forma mais modesta.

Por outro lado, Mathias Toft & Espen Dietrichs publicaram um artigo relatando piora da gagueira depois da estimulação cerebral profunda em dois pacientes com Parkinson.

Um dos pacientes tinha 65 na época do procedimento cirúrgico. A doença de Parkinson iniciou aos 40 anos com os sintomas de tremor, rigidez e acinesia. Também houve início de gagueira. O paciente referia não ter tido gagueira na infância, mas tinha taquilalia. A medicação dopaminérgica surtiu efeitos desejados durante 20 anos. Após este tempo, começaram a haver marcadas flutuações de desempenho motor nos períodos “off” da medicação. Por isso, optou-se pela estimulação cerebral profunda bilateral no núcleo subtalâmico. Após o procedimento cirúrgico, houve melhora acentuada de todos os sintomas do Parkinson. Entretanto, a gagueira piorou, sendo classificada como grave. Os sintomas predominantes eram a presença de bloqueios fônicos e de repetições de sílabas. Quando o estimulador era desligado, ocorria o oposto: os sintomas da doença de Parkinson pioravam e a gagueira melhorava. No dia-a-dia, o paciente desligava o estimulador em atividades que exigiam mais de sua fala (como ligações telefônicas e fala em público). E como era a dinâmica da gagueira com o estimulador ligado? Iguais à da chamada “gagueira do desenvolvimento”: sintomas piores na fala espontânea e na leitura em voz alta e melhores durante a fala cantada.

O outro paciente tinha 53 anos na época do procedimento cirúrgico. A doença de Parkinson iniciou aos 38 anos. Este paciente relatava gagueira na infância, a qual reiniciou com a doença de Parkinson. Aos 42 anos, o paciente foi submetido à talamotomia no hemisfério esquerdo para melhor controle dos sintomas. Aos 53 anos, com o progresso da doença, também foi realizada estimulação cerebral profunda bilateral no núcleo subtalâmico. Os sintomas da doença de Parkinson melhoraram após o procedimento cirúrgico, mas a gagueira piorou. Os sintomas predominantes também eram a presença de bloqueios fônicos e de repetições de sílabas. O paciente foi encaminhado para terapia fonoaudiológica, tendo obtido melhoras na fluência.

Até o momento, os estudos sobre os efeitos da estimulação cerebral profunda na gagueira de pessoas com Parkinson são escassos e os resultados, conflitantes. Mesmo assim, eles sugerem que os núcleos da base estão relacionados à gênese da gagueira.