Gagueira e fobia social

maio 29, 2018 | por Sandra Merlo | Gagueira, Psicologia

Um terço dos adultos com gagueira também apresenta fobia social. Esses sujeitos apresentam mais pensamentos negativos em relação à sua fala e evitam um maior número de situações comunicativas.

A psicóloga australiana Lisa Iverach & colaboradores publicaram um artigo científico comparando adultos com gagueira com e sem fobia social [1]. Os dados para este estudo foram coletados ao longo de dez anos, em um esforço conjunto de sete universidades da Austrália e da Nova Zelândia. O estudo ajuda a responder a questões como:

  • A maioria dos adultos com gagueira apresenta fobia social?
  • Os adultos com fobia social apresentam gagueira mais grave em relação aos sem fobia social?
  • A presença de fobia social aumenta o sofrimento em relação à gagueira?

 

O estudo

Participaram do estudo 275 adultos com gagueira, sendo 80% homens e 20% mulheres, entre 18 e 80 anos (média de 34 anos). A maior parte dos sujeitos (64%) referiu possuir familiares com gagueira. Todos os sujeitos apresentavam gagueira desde a infância e estavam procurando tratamento fonoaudiológico e/ou psicológico para gagueira. O diagnóstico de gagueira foi confirmado por avaliação da fluência da fala. Adicionalmente, também foi feita avaliação para fobia social.

Ao contrário da gagueira, que tende a iniciar na infância (geralmente entre 2 e 5 anos), a fobia social tende a iniciar na adolescência (entre 14 e 16 anos). Por isso, o estudo avaliou apenas adultos.

 

Resultados

Dos 275 adultos com gagueira que participaram do estudo, a maioria (70%) não apresentou sintomas de fobia social, enquanto os demais 30% apresentaram sintomas compatíveis com fobia social. Ou seja, a presença de fobia social, embora elevada, não é regra em adultos com gagueira. Isso indica que a maioria dos sujeitos com gagueira não necessita de psicoterapia para fobia social.

Por outro lado, o percentual de 30% de sujeitos com fobia social é bem maior do que o percentual encontrado na população geral (de aproximadamente 10%), indicando que a gagueira persistente aumenta a probabilidade deste transtorno de saúde mental. Um dos fatores de risco para crianças com gagueira se tornarem adolescentes ou adultos com fobia social é a vivência repetida de reações negativas do ouvinte, ridicularização e exclusão.

 

Variáveis demográficas

A única variável demográfica que diferenciou os dois grupos foi a idade. O grupo com gagueira e fobia social tende a ser mais jovem (média de 30 anos) em relação ao grupo com gagueira sem fobia social (média de 35 anos).

Não houve diferenças em relação ao gênero. Lembrando que a gagueira tende a afetar mais homens, enquanto a fobia social tende a afetar mais mulheres. Mas não houve mais mulheres com gagueira afetadas por fobia social.

A possibilidade de estar ou não em um relacionamento amoroso também não apresentou diferença entre os dois grupos, de forma que 55% dos sujeitos tinham um relacionamento amoroso, enquanto 40% estavam solteiros.

A possibilidade de estar ou não empregado também não apresentou diferença entre os dois grupos, sendo que 75% dos sujeitos estavam empregados.

Por fim, a renda entre os grupos também não se diferenciou, sendo que 55% dos sujeitos referiu renda familiar inferior a 80 mil dólares australianos, enquanto 45% referiu renda familiar superior a 80 mil dólares australianos.

 

Variáveis de fala

Não houve diferença quanto à gravidade da gagueira entre os grupos, ou seja, a presença de fobia social não fez com que a gagueira se intensificasse. O percentual médio de sílabas gaguejadas foi de 7% na amostra analisada, o que corresponde à gagueira leve.

Também não houve diferença quanto à auto-avaliação da gravidade da gagueira entre os grupos, ou seja, o grupo com fobia social não avaliou sua gagueira como mais grave. Em uma escala de um a nove (sendo 1 para “sem gagueira” e 9 para “gagueira extremamente grave”), a gagueira foi considerada nota 4 nos dias típicos e nota 7 nos dias piores.

Por outro lado, o grupo com fobia social se mostrou significativamente mais insatisfeito com a gagueira, embora não muito mais: média de 5,5 para o grupo sem fobia social e média de 6,5 para o grupo com fobia social (sendo nota 1 para “extremamente satisfeito” e nota 9 para “extremamente insatisfeito”).

Ainda, o grupo com fobia social se mostrou significativamente mais propenso a evitar situações de fala: média de 7 para o grupo sem fobia social e média de 8,5 para o grupo com fobia social (sendo 0 para “nunca evito”, 1 para “às vezes evito” e 2 para “sempre evito”, somando respostas para oito situações comunicativas diferentes).

Por fim, o grupo com fobia social referiu impacto significativamente maior da gagueira, embora não muito mais, sendo impacto moderado para o grupo sem fobia social e impacto de moderado para grave para o grupo com fobia social.

Embora o grupo com gagueira e fobia social tenha se mostrado mais insatisfeito com sua fala, tenha maior propensão a evitar situações comunicativas e vivencie maior sofrimento em relação à fala, a procura por tratamento não é maior em comparação ao grupo sem fobia social. De forma geral, 80% dos sujeitos já haviam procurado algum tipo de tratamento.

Tendo em vista que a característica central da fobia social é o medo intenso de avaliações sociais negativas, faz sentido que o grupo com fobia social seja mais insatisfeito com sua fala, tenha maior propensão a evitar situações comunicativas e vivencie maior sofrimento em relação à fala. Também faz sentido que os sujeitos com fobia social antecipem piores consequências por apresentarem gagueira do que sujeitos sem fobia social.

 

Variáveis psicológicas

Um questionário específico com 74 questões (“Recent Life Changes Questionnaire”) avaliou a ocorrência de vivências estressantes em cinco áreas da vida: saúde, trabalho, família, vida social e finanças. Os dois grupos não apresentaram diferenças quanto à vivência de fatores estressantes no último ano de vida.

Um questionário específico com 123 questões (“Adult Self-Report”) avaliou problemas emocionais, sociais e comportamentais nos últimos seis meses. As questões avaliam queixas de ansiedade, depressão, atenção, problemas somáticos, quebra de regras sociais e agressividade. O grupo com fobia social referiu um maior número de problemas em relação ao grupo sem fobia social. Esta diferença ocorreu para os participantes mais jovens (entre 18 e 35 anos) unicamente, não se mostrando válida para os participantes mais velhos (entre 36 e 59 anos). Por outro lado, embora a diferença tenha sido significativa, o número de problemas relatados estava na faixa considerada normal.

O grupo com gagueira e fobia social apresentou tendência leve à depressão, enquanto para o grupo sem fobia social esta tendência foi mínima. A possibilidade de depressão foi avaliada através de um questionário de 21 questões (“Beck Depression Inventory”). Este resultado é compatível com o habitualmente visto na clínica de gagueira: a ocorrência de depressão é baixa entre adultos com gagueira, sendo talvez a mesma da população em geral.

Por fim, também foi aplicado um teste para avaliar os pensamentos negativos dos sujeitos em relação à gagueira (“Unhelpful Thoughts and Beliefs About Stuttering”). Das 66 frases do teste, 27 fazem explícita referência à gagueira (exemplo: “Pessoas com gagueira são chatas”), enquanto 39 não fazem referência explícita à gagueira (exemplo: “As pessoas vão rir de mim”). Os dois grupos apresentaram alta pontuação neste teste, o suficiente para a recomendação de uma avaliação psicológica. Entretanto, o grupo com gagueira e fobia social pontuou significativamente mais.

 

O estudo indicou, portanto, que não há evidências de que a presença de fobia social interfira negativamente na possibilidade de ter um relacionamento amoroso, de estar empregado ou na renda familiar anual, mais do que a gagueira em si já interfere. Além disso, embora a presença de fobia social não intensifique a gagueira, os adultos com fobia social possuem mais pensamentos negativos relacionados à gagueira e, consequentemente, são mais insatisfeitos com sua fala e evitam mais situações comunicativas em comparação àqueles sem fobia social. Esses resultados sugerem que adultos (geralmente mais jovens) com gagueira e fobia social necessitam de auxílio terapêutico diferenciado em relação à maneira como enxergam sua própria fala e em relação às interações sociais.

 

Referência

[1] Iverach, L.; Jones, M.; Lowe, R.; O’Brian, S.; Menzies, R. G.; Packman, A. & Onslow, M. (2018). Comparison of adults who stutter with and without social anxiety disorder. Journal of Fluency Disorders, 56, 55-68.