Gagueira e mercado de trabalho (II)

jul 15, 2013 | por Sandra Merlo | Gagueira, Mercado de trabalho

Estudo mostra que a gagueira piora em entrevistas estressantes de emprego.

Neste segundo texto da série, falo sobre a ocorrência da gagueira em entrevistas de emprego. São abordadas duas questões:

  • O grau de estresse da entrevista afeta a ocorrência da gagueira?
  • O grau de apreensão de um candidato que gagueja é proporcional ao seu grau de gagueira?

A fonoaudióloga Shelley Brundage & colaboradores publicaram um artigo sobre a frequência da gagueira em entrevistas de emprego. Vinte pessoas com gagueira, entre 20 e 52 anos, participaram do estudo. Todas gaguejavam desde a infância.

Foi utilizado um ambiente de realidade virtual no experimento. Em ambientes de realidade virtual, o usuário participa ativamente em um cenário tridimensional criado em computador. Para isso, o usuário precisa utilizar um equipamento específico de realidade virtual, composto por óculos, fones de ouvido e sistema de detecção de movimentos. O uso deste equipamento permite que ele se sinta dentro do cenário tridimensional criado pelo computador.

O cenário criado para o experimento era composto por um elevador, sala de espera, corredor e duas salas de entrevistas. Havia uma recepcionista na sala de espera, além de cadeiras e sofás. Uma das salas de entrevistas era a do presidente da empresa, sendo uma sala grande, com poltronas de couro, mobília de madeira, janelas e quadros nas paredes (veja foto aqui). A outra sala de entrevistas era a de um funcionário dos recursos humanos, sendo uma sala pequena, com mobília de metal, sem janelas e sem quadros nas paredes (veja foto aqui).

Na sala do presidente da empresa sempre ocorria uma entrevista de emprego mais estressante. Ao entrar na sala do presidente, ele dizia ao candidato: “Temos pouco tempo para esta entrevista. O último candidato não disse nada de muito interessante e a entrevista demorou muito”. Este entrevistador falava mais rapidamente, interrompia a fala do candidato e nem sempre mantinha contato ocular. O entrevistador reagia às respostas do candidato com tom de voz sarcástico e com expressões faciais que indicavam que a resposta havia sido confusa. No final da entrevista, um membro do conselho da empresa fazia duas perguntas ao candidato: ele falava ao telefone, com ruídos de aeroporto ao fundo, indicando que estava ocupado e com pressa.

Na sala do funcionário de recursos humanos sempre ocorria uma entrevista mais amigável. Ao entrar nesta outra sala, o funcionário dizia ao candidato: “Antes de iniciarmos, preciso dizer que eu gaguejo. Isso quer dizer que posso gaguejar em vários momentos da entrevista”. Este entrevistador falava mais lentamente, não interrompia a fala do candidato e mantinha contato ocular. O entrevistador reagia com tom de voz amigável às respostas do candidato e indicava que ele (entrevistador) não havia entendido algumas respostas, mas não culpava o candidato pela incompreensão. No final da entrevista, também havia duas perguntas de um membro do conselho da empresa ao candidato. Entretanto, as perguntas eram feitas pelo próprio entrevistador, o qual dizia ao candidato: “Um dos conselheiros da empresa não pôde estar aqui hoje, mas solicitou que eu fizesse duas perguntas a você”.

As perguntas do conselheiro eram: “Qual foi a tecnologia mais inovadora com que você trabalhou até agora?” e “Fale sobre duas pessoas que influenciaram a sua vida e por quê”. As respostas a essas duas perguntas constituíram as amostras de fala utilizadas no estudo.

O gênero dos entrevistadores foi contrabalanceado. Assim, na metade das vezes o presidente da empresa era homem e na outra metade, mulher. Ocorreu o mesmo para o gênero do funcionário dos recursos humanos. A ordem das entrevistas também foi contrabalanceada. Assim, na metade das vezes a primeira entrevista era a mais estressante e na outra metade, a mais amigável.

Todos os sujeitos fizeram as duas entrevistas. Cada entrevista durou aproximadamente 20 minutos.

Os resultados indicaram que a quantidade de fala sempre foi menor na entrevista estressante em relação à amigável (180 versus 211 sílabas, em média, respectivamente). Ou seja, diante de um entrevistador pouco amigável, todos os candidatos, sem exceção, optaram por falar menos. Penso que isso é válido para qualquer pessoa e não apenas para quem apresenta gagueira: qualquer candidato, diante de um entrevistador pouco amigável, falará menos.

A frequência da gagueira também foi maior na entrevista estressante em relação à amigável (9 versus 7% de sílabas gaguejadas, em média, respectivamente). A piora ocorreu para todos os graus de gagueira, desde as mais brandas até as mais graves. Ou seja, entrevistadores com posturas diferentes terão percepções diferentes sobre o grau de gagueira de um mesmo candidato em um mesmo dia de entrevista. Entrevistadores mais impacientes dirão que o candidato gagueja mais (o que é verdade), enquanto entrevistadores mais serenos dirão que o candidato gagueja menos (o que também é verdade).

O grau de confiança na fala antes e depois das entrevistas não apresentou correlação significativa com o grau de gagueira do candidato. Ou seja, pessoas que gaguejam mais não necessariamente são menos confiantes em relação às suas falas em comparação com pessoas que gaguejam menos. A confiança para falar não depende apenas da capacidade de fluência, mas de também de outros aspectos (tais como: conhecimento do assunto, memórias de experiências anteriores de fala, etc.).

Importante destacar que o estudo diz apenas que a gagueira se intensifica ou abranda de acordo com o grau de estresse da entrevista. Mas não diz nada sobre o desfecho dessas entrevistas. Gaguejar diminui as chances de contratação? Gaguejar diminui a renda? São questões como estas que serão abordadas no próximo texto da série.