Núcleos da base
Nesta série de textos, discuto aspectos da relação entre fluência e doença de Parkinson.
Esta série foi motivada pelo atendimento ao meu paciente José.
Núcleos da base
Para compreender a doença de Parkinson (e a gagueira) é necessário compreender os núcleos da base.
Por definição, “núcleo” se refere a uma coleção de corpos neuronais situados no sistema nervoso central, mas fora do córtex (ou seja, na substância branca) e “base” se refere à base do cérebro. A rigor, a denominação “núcleos da base” está incorreta, porque a substância negra não está situada no cérebro (entendendo “cérebro” como telencéfalo e diencéfalo), mas no mesencéfalo. O termo “gânglios da base” também é incorreto, porque “gânglio” se refere a uma coleção de corpos neuronais situados fora do sistema nervoso central. Entretanto, por tradição, o termo é mantido.
Os núcleos da base estão localizados no interior dos hemisférios cerebrais: lateralmente ao tálamo (caudado, putâmen e globo pálido) e abaixo do tálamo (núcleo subtalâmico e substância negra) [2].
Vou abordá-los de forma funcional, como a circuitaria que são.
Entrada do sistema
A via de entrada dos núcleos da base são o caudado e o putâmen.
O caudado recebe aferências de todo o córtex cerebral, mas principalmente de áreas associativas (como o córtex pré-frontal, pré-motor e parietal posterior) [1]. Por isso, ele inicia no lobo frontal (cabeça), continua nos lobos parietal e occipital (corpo) e termina no lobo temporal (cauda), tendo um formato que lembra a letra C [2]. Devido à sua cauda, é chamado de “caudado”. Com aferências tão distintas e variadas, o caudado se relaciona mais com aspectos cognitivos da atividade motora, ou seja, com a escolha de padrões motores adequados à situação percebida sensorialmente e às informações armazenadas na memória de longo prazo [2].
O putâmen, por outro lado, recebe aferências do córtex pré-motor, da área motora suplementar e do córtex somatossensorial primário [1, 2]. Por isso, ele tem formato oval, circundando essas áreas em sua porção inferior. A função do putâmen se relaciona mais com o planejamento direto de padrões motores aprendidos [2].
Caudado e putâmen juntos são chamados de “estriado” devido às estrias da sua forma anatômica, que ligam um ao outro [2].
As aferências ativam o estriado através de sinapses excitatórias com glutamato [1].
O estriado também recebe aferências da parte compacta da substância negra através de sinapses com dopamina [1]. Quando a dopamina é captada por receptores neuronais do tipo D1, a sinapse é excitatória (via direta). Quando a dopamina é captada por receptores do tipo D2, a sinapse é inibitória (via indireta).
Dentro do próprio estriado, as sinapses são mediadas por acetilcolina [1].
Via direta do sistema
Entre a entrada e a saída, pode não haver estações intermediárias de processamento. Quando este é o caso, está-se na via direta, que conecta diretamente a entrada e a saída.
A entrada é formada pelo estriado (caudado + putâmen). A saída é formada pelo globo pálido interno e pela parte reticulada da substância negra [1].
O globo pálido é chamado de “pálido”, porque sua coloração é mais clara nas peças anatômicas devido ao fato de ele ser atravessado por axônios mielinizados do estriado. Acontece exatamente o oposto com a substância negra: sua coloração é mais escura nas peças anatômicas.
O globo pálido interno e a parte reticulada da substância negra são inibidos pelo estriado com sinapses mediadas por ácido gama-aminobutírico (GABA) e pela substância P [1].
Via indireta do sistema
Também pode haver estações intermediárias entre a entrada e a saída. Neste caso, está-se na via indireta dos núcleos da base, a qual se unem o globo pálido externo e o núcleo subtalâmico [1].
O globo pálido externo é inibido pelo estriado com sinapses mediadas por GABA e por encefalina [1]. O núcleo subtalâmico, por sua vez, é inibido pelo globo pálido externo, mas somente com sinapses mediadas por GABA [1]. E a saída (globo pálido interno + parte reticulada da substância negra) é ativada pelo núcleo subtalâmico com sinapses mediadas por glutamato [1].
Como se pode ver, o GABA é um importante neurotransmissor nos núcleos da base. Foi isso que motivou o estudo da substância pagoclone, um agonista parcial de GABA, em sujeitos com gagueira. Os estudos foram interrompidos, porque o pagoclone se mostrou ineficaz para tratar gagueira.
Saída do sistema
As sinapses finais geradas pelo globo pálido interno e pela parte reticulada da substância negra são inibitórias e indicam a principal função desses núcleos: os núcleos da base facilitam os movimentos voluntários através da inibição de movimentos indesejados [1]. Ou seja, os núcleos da base inibem todos os movimentos que não devem ser feitos para que o movimento desejado seja executado de maneira satisfatória. Sem haver competição, o movimento desejado pode ser executado com a localização espacial, a extensão e o tônus adequados.
De onde se conclui, por exemplo, que o tremor de repouso exibido por sujeitos com doença de Parkinson é resultante da inibição insuficiente produzida pelos núcleos da base [1]. De onde também se pode inferir que os “movimentos acessórios” exibidos por alguns sujeitos com gagueira (como tremor de mandíbula, de língua e/ou de lábios ou adução de glote) também resulta da inibição insuficiente produzida pelos núcleos da base.
Eferências dos núcleos da base
Após sair dos núcleos da base, o sinal é enviado a dois núcleos do tálamo: o ventral lateral e o ventral anterior (com sinapses mediadas por GABA) [1, 2]. Do tálamo, os sinais chegam ao córtex frontal: córtex pré-frontal, córtex pré-motor e área motora suplementar (no caso do caudado) e córtex motor primário (no caso do putâmen) [2]. As sinapses são mediadas por glutamato [1].
Algumas eferências dos núcleos da base também inibem o colículo superior, relacionado ao posicionamento dos olhos e da cabeça [1]. Uma hipótese especulativa é que a insuficiência de inibição no colículo superior explique os movimentos oculares indesejados que algumas pessoas com gagueira produzem durante a fala.
Esquemas do fluxo de processamento
Seguem esquemas com o fluxo de processamento das vias direta e indireta [1, 2].
O sinal positivo ou negativo após os nomes dos neurotransmissores indica o tipo de sinapse (excitatória ou inibitória, respectivamente).
Na via indireta, o que está em vermelho representa diferenças em relação à via direta.
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Referências:
[1] Barbosa, E. R.; Haddad, M.S. & Gonçalves, M. R. R. (2005). Distúrbios do movimento. In: Nitrini, R. & Bacheschi, L. A. A neurologia que todo médico deve saber (297-321). 2ª ed. São Paulo: Atheneu.
[2] Guyton, A. C. & Hall, J. E. (1996). The cerebellum, the basal ganglia, and overall motor control. In: Textbook of medical physiology (715-731). 9th ed. Philadelphia: W. B. Saunders Company.