Ondas sonoras (II)

nov 21, 2016 | por Sandra Merlo | Física acústica

Sólido, líquido e gasoso: os estados mais comuns da matéria no nosso cotidiano.

Elasticidade

A segunda condição que precisa ser satisfeita para haver oscilação de pressão é que o material (de “matéria”) tenha elas t i c i dade.

A matéria possui cinco estados, que são formas físicas pela qual ela se apresenta [1]. Os estados comuns no nosso cotidiano são de corpos sólidos e de substâncias líquidas e gasosas, mas também existem plasma e superfluido [1]:

  1. No estado sólido, a matéria apresenta forma e volume definidos.
  2. No estado líquido, a matéria apresenta volume definido, mas não forma definida: a forma é determinada pelo recipiente que contém o líquido.
  3. No estado gasoso, a matéria não apresenta nem forma e nem volume definidos: a matéria tende a se expandir e a ocupar todo o volume do recipiente.
  4. O plasma é o estado mais comum no Universo, existindo em temperaturas altíssimas, como no interior das estrelas. O plasma se origina da fusão nuclear e apresenta carga elétrica nula (devido à presença de elétrons livres e de íons positivos livres em igual quantidade).
  5. O superfluido é o estado da matéria em temperatura de zero absoluto (-273º C). Por mais que a temperatura seja baixíssima, alguns elementos, como o hidrogênio e o hélio, não se solidificam (por isso não se chama “supersólido”), mas apresentam comportamento de líquido.

O que determina o estado da matéria são as forças das ligações químicas entre as moléculas do material [1, 2]. As forças intermoleculares são grandes nos sólidos, moderadas nos líquidos e fracas nos gases (como exemplificado na figura que ilustra este texto). As forças intermoleculares dependem da temperatura e da pressão a que o material está submetido.

A elas t i c i dade é uma propriedade que os materiais apresentam de poderem voltar total ou parcialmente à sua forma original após terem sido deformados por uma força [1]. A rigor, todos os materiais são passíveis de certa deformação, mas existem materiais mais passíveis de serem deformados (como os gases e os líquidos) e materiais menos passíveis de serem deformados (como os sólidos). Quanto maior for a elasticidade de um material, ou seja, quanto mais facilmente ele puder ser deformado, mais facilmente ele pode transmitir ondas sonoras. Por outro lado, se existisse um material totalmente rígido, com grau zero de elasticidade, ele não seria capaz de transmitir ondas sonoras. Da mesma forma que existem materiais que são bons e maus condutores de eletricidade, também existem materiais que são bons e maus condutores de som.

A elasticidade é necessária para a transmissão dos sons, porque, sem ela, não é possível haver oscilação de pressão. Se as forças intermoleculares de um material forem tão intensas que não permitam nenhuma mudança na posição espacial de suas moléculas, não é possível haver oscilação de pressão. As oscilações de pressão somente podem ocorrer em materiais cujas moléculas estejam interligadas por forças que admitam alguma mudança, por menor que seja, na sua posição espacial.

A seguir, um pouco mais sobre a elasticidade de gases, líquidos e sólidos e suas relações com ondas sonoras.

 

Fluidos

O termo “fluido” abrange gases e líquidos. Fluidos são substâncias capazes de escoar e de mudar de forma [1, 2]. As moléculas que formam os fluidos estão em constante movimento, mas, diferente do que aconteceria com os sólidos, esse movimento não provoca ruptura [1].

 

Ar

Todos estamos habituados à propagação do som através do ar, que é um meio gasoso. Intuitivamente, sabemos que o ar transmite sons com facilidade.

O que chamamos “ar” é o fluido que forma a atmosfera terrestre. Ele é composto por diversos gases, sendo o nitrogênio e o oxigênio os mais abundantes. A somatória do percentual de nitrogênio (78%) com o percentual de oxigênio (21%) já resulta em 99% dos gases da atmosfera [2]. O percentual de dióxido de carbono é de 0,03%. Ainda existem vários outros gases em menor concentração [2]. O volume de ar presente na atmosfera faz pressão sobre a superfície terrestre: é a pressão atmosférica. Define-se pressão como sendo uma força aplicada em uma determinada área [2]. A pressão atmosférica é maior quanto mais longa for a coluna de ar (ou seja, quanto menor for a altitude). Assim, ao nível do mar, onde a coluna de ar é máxima, a pressão é a maior possível. Como, ao nível do mar, a pressão atmosférica é a pressão de toda a atmosfera, diz-se que a pressão é de 1 atm, o que corresponde a 100.000 N/m² [2]. Ou seja, ao nível do mar, a massa de ar, por metro quadrado, é de 10.000 kg [2]. Com o aumento da altitude (o que equivale à redução na coluna de ar), a pressão atmosférica diminui. Mas essa diminuição não é linear, é exponencial. A atmosfera terrestre apresenta cerca de 100 km de extensão. Se a redução da pressão fosse linear ao aumento da altitude, então a pressão atmosférica em 50 km seria de 0,5 atm, mas não é isso que ocorre. A pressão de 0,5 atm é atingida a apenas 5 km de altitude [2]. Ou seja, o ar se torna muito rarefeito com pequenos aumentos de altitude.

Além da pressão, outro parâmetro importante quando se trata de gases é o da densidade. Define-se densidade como sendo a massa contida em um determinado volume [2]. A densidade é diretamente influenciada pela pressão e inversamente influenciada pela temperatura [2]. Assim, ao nível do mar, como a pressão atmosférica é máxima, a massa de ar por metro cúbico tende a ser máxima. Por outro lado, ao nível do mar, como a temperatura é maior, a massa de ar por metro cúbico tende a diminuir. Quanto mais a temperatura aumenta, mais aumenta a energia cinética das moléculas e mais elas tendem a se espalhar, reduzindo a densidade do ar.

De forma geral, quanto menos denso for o ar, mais facilmente ele transmite ondas sonoras. Assim, o som se propaga no ar mais facilmente em um dia quente de verão em comparação com um dia frio de inverno (na mesma altitude). Também se propaga mais facilmente em altitudes mais elevadas do que ao nível do mar (mantendo a mesma temperatura).

A baixa densidade dos gases faz com que eles sejam altamente elásticos. Devido à baixa densidade, os gases são comprimidos com facilidade. Quando a pressão é retirada, eles também facilmente voltam ao estado original, mais expandido. Por isso, os gases são chamados de fluidos compressíveis [1]. A facilidade com que os gases em geral, e o ar em particular, transmitem ondas sonoras deve-se à grande elasticidade deste estado da matéria, que pouco atenua os sons. (Atenção: não confundir facilidade de propagação do som com velocidade de propagação do som. Falaremos da velocidade do som em outro texto).

 

Água

Também sabemos que o som se propaga na água. Se mergulharmos em uma piscina, podemos ouvir pessoas falando fora da água. Mas, neste caso, intuitivamente sabemos que as pessoas precisam falar com intensidade mais elevada do que a habitual.

Isso acontece devido à grande diferença de elasticidade do ar e da água. A densidade do ar é de 1,2 kg/m³ e a densidade da água é de 1.000 kg/m³ (ambas as densidades a 20º C e ao nível do mar). Ou seja, a água é cerca de mil vezes mais densa do que o ar. Como ela é mais densa, ela também é menos elástica. Os líquidos são chamados de fluidos não compressíveis, porque eles pouco reduzem de volume quando submetidos a uma pressão [1]. A resistência dos líquidos para redução de volume deve-se justamente à maior densidade deste estado da matéria. Quanto maior a densidade de um material, menor sua elasticidade e, portanto, é necessário maior energia para haver oscilações de pressão. Portanto, quanto menor a elasticidade, maior é a resistência do material para a transmissão de ondas sonoras e mais ele atenua os sons.

Nossa primeira forma de audição na vida é “aquática”. Na vida intrauterina, a partir da 28ª semana de gestação (último trimestre), o feto humano é capaz de ouvir [3]. Os sons presentes no meio externo devem ter energia suficiente para atravessar a parede abdominal materna (sólido) e o líquido amniótico (fluido incompressível) até chegar aos ossos da cabeça e ao sistema auditivo do feto [3]. Entretanto, nossa audição “aquática” não é realmente aquática. Após a transmissão das oscilações de pressão pelo líquido amniótico contido na placenta (ou pela água da piscina, no caso do exemplo anterior), a recepção do estímulo sonoro é feita pelos ossos do corpo. Maiores informações, a seguir.

 

Sólidos

Por fim, o som se propaga também em sólidos, mas com muito mais dificuldades do que se propaga em fluidos. Por exemplo, quando estamos em ambientes muito ruidosos, podemos levar as mãos até as orelhas como forma de bloquear o som que ouvimos, porque intuitivamente sabemos que o som terá dificuldade para se propagar através de nossas mãos, que são sólidas. Intuitivamente também sabemos, por exemplo, que a madeira é melhor condutora de som do que o concreto, porque a madeira é menos rígida do que o concreto.

O som se propaga com mais dificuldade em sólidos, porque os sólidos são o estado menos elástico da matéria. Assim como os líquidos, os sólidos tem volume definido, sendo também não compressíveis [1]. Mas as moléculas dos sólidos apresentam forças intermoleculares ainda maiores do que os líquidos, o que reduz a energia cinética de suas moléculas [1]. Por isso, os sólidos são mais densos e mais rígidos do que os líquidos. Os sólidos são o estado da matéria que apresentam maior resistência para a transmissão de ondas sonoras e que mais atenuam a propagação do som.

Cada tipo de corpo sólido (osso, madeira, concreto, granito, etc.) tem seu grau de elasticidade característico. Quanto maior a força necessária para conseguir provocar alguma deformação em um sólido, mais rígido ele é. Assim, os ossos tendem a ser um pouco menos elásticos do que a madeira, tão elásticos quanto o concreto e muito mais elásticos do que o granito [4]. De forma simplificada, esses são os princípios de duas leis físicas, a Lei de Hooke e o Módulo de Young [4].

A transmissão do som em sólidos é muito importante para seres humanos, porque nossa audição ocorre não apenas pelo ar (via aérea), mas também pelos ossos (via óssea). Como dito acima, a elasticidade dos ossos é similar à do concreto. É a audição via óssea que explica por que ouvimos nossa própria voz de forma diferente de outras pessoas. Quando uma pessoa ouve sua própria voz gravada, geralmente a reação é de estranhamento: “Minha voz é assim?!”. As outras pessoas ouvem nossa voz apenas por via aérea (como a registrada pelo microfone), enquanto nós ouvimos nossa própria voz por via aérea e por via óssea. Uma vez um paciente perguntou: “Mas qual é o som da minha voz verdadeira? É a voz que eu escuto ou é a voz que os outros escutam?” Os dois sons são verdadeiros, nenhum deles é “falso”. A questão é que as duas vozes apresentam qualidades diferentes em razão de haver um meio adicional de propagação do som (os ossos) no caso da audição da própria voz.

A audição via óssea também é importante para a localização de perdas auditivas. Quando uma pessoa tem queixa auditiva e precisa fazer um exame de audiometria, será avaliado se a audição via aérea é igual à audição via óssea. A audição via aérea é aquela testada com fones de ouvido, ou seja, o som se propaga pelo ar presente no conduto auditivo externo. A audição via óssea é aquela testada com vibrador posicionado no processo mastoide do osso temporal, ou seja, o som se propaga através de vibração do tecido ósseo. O confronto dos dois tipos de audição (via aérea versus via óssea) aponta a região da orelha responsável pela perda auditiva.

  • Se a audição via aérea estiver alterada e a audição via óssea estiver preservada, a alteração que provoca a perda auditiva está na orelha média (raramente, na orelha externa). Se a alteração for do tipo otite, há presença de secreção (“catarro”) na orelha média, que transformou o meio gasoso em que os ossículos auditivos estavam imersos em meio aquoso. Se a alteração for do tipo otosclerose, a articulação do último ossículo auditivo (estribo) com a cóclea está mais rígida. Em ambos os casos, secreção preenchendo a cavidade aérea da orelha média ou aumento de rigidez da cadeia ossicular, é necessário maior energia (“aumentar o volume”) para a transmissão do som, porque a elasticidade do sistema diminuiu.
  • Se os dois tipos de audição estiverem alterados, sendo que os limiares auditivos via óssea se sobrepõem aos limiares via aérea, a alteração que provoca a perda auditiva necessariamente está na orelha interna ou nas vias neurais. Por algum motivo (congênito, trauma acústico, envelhecimento), morreram células auditivas da cóclea ou das vias neurais. Neste caso, também é necessário maior energia para a transmissão do som, porque as ressonâncias mecânica e elétrica na cóclea e nas vias neurais tornaram-se dificultadas.

 

Como as ondas sonoras apenas existem em meios materiais e elásticos, elas são chamadas de ondas mecânicas. As ondas eletromagnéticas e gravitacionais são ondas não mecânicas, porque não necessitam de matéria para se propagar [5].

 

Referências

[1] Roditi, Y. (2005). Dicionário Houaiss de Física. Rio de Janeiro: Objetiva.

[2] Okuno, E.; Caldas, I. L. & Chow, C. (1982). Fluidos. In: Física para ciências biológicas e biomédicas (pp. 292-316). São Paulo: Harper & Row do Brasil.

[3] Hepper, P. G. & Shahidullah, B. S. (1994). Development of fetal hearing. Archives of Diseases in Childhood, 71(2): F81-7.

[4] Okuno, E.; Caldas, I. L. & Chow, C. (1982). Mecânica clássica: forças – aplicações no corpo humano. In: Física para ciências biológicas e biomédicas (pp. 406-420). São Paulo: Harper & Row do Brasil.

[5] Okuno, E.; Caldas, I. L. & Chow, C. (1982). Ondas. In: Física para ciências biológicas e biomédicas (pp. 206-221). São Paulo: Harper & Row do Brasil.