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Falar ou não sobre gagueira com a criança?

É muito frequente que os pais se perguntem se devem ou não falar sobre a gagueira com seus filhos. As fonoaudiólogas Idillette Hartman e Daleen Klop e a psicóloga Leslie Swartz publicaram um artigo de revisão, analisando justamente esta questão [1]. Nesta revisão, foram analisados outros 14 estudos, publicados entre 1999 e 2024, os quais incluíram 223 pais de crianças que gaguejam e 171 crianças, adolescentes e adultos que gaguejam.

 

Da perspectiva da fonoaudiologia

Até aproximadamente 1985, os fonoaudiólogos orientavam os pais a não falar sobre gagueira com seus filhos. Nenhuma atenção deveria ser dada ao assunto. Porém, com o tempo se percebeu que não apenas a conspiração do silêncio não traz o benefício esperado, como frequentemente prejudica a criança que desenvolve gagueja persistente (veja a seguir). Por isso, de 1985 para cá, os pais são orientados pelos fonoaudiólogos a falar abertamente sobre a gagueira com seus filhos.

Entretanto, por incrível que pareça, a gagueira ainda pode ser tabu dentro da própria fonoterapia, com alguns fonoaudiólogos não dando espaço para o reconhecimento da gagueira.

 

Da perspectiva da criança que gagueja

O mais importante: quando a criança percebe que gagueja e os pais não falam sobre a gagueira, ela entende que é um assunto tabu e que gaguejar é errado. Passa a mensagem de que a gagueira é algo para se envergonhar e que deve ser escondida.

As crianças não entendem a experiência da gagueira, não entendem o que se passa com elas, por que elas não conseguem falar sem repetir sílabas ou “travar”. Por isso, elas referem que se sentem aliviadas quando os pais conversam com elas sobre a gagueira. O poder deste diálogo vem do fato de que elas veem os pais como seus interlocutores mais importantes, além de serem seus modelos de vida.

Algumas crianças sentem necessidade de conversar com os pais sobre seus sentimentos em relação à gagueira, principalmente vergonha, frustração, raiva e culpa. Sentir vergonha por gaguejar, ficar frustrado por que a fala não é fluente, sentir raiva por gaguejar ou sentir culpa por gaguejar podem ser tópicos importantes para as crianças.

As crianças que gaguejam referem que não gostam quando os pais:

  • Minimizam a gagueira.
  • Falam em terceira pessoa (“o gago isso”, “o gago aquilo”).
  • Dão dicas sobre como elas devem falar.
  • Prestam mais atenção na gagueira do que no conteúdo da fala.

 

Da perspectiva dos pais da criança que gagueja

Muitos pais não falam sobre gagueira com seus filhos, porque eles mesmos estão muito sensibilizados pelo assunto. Um estudo paquistanês com 73 pais e mães mostrou que 50% deles sentem vergonha da gagueira da criança [2]. É função do fonoaudiólogo auxiliar na dessensibilização dos pais, para que eles consigam se sentir menos desconfortáveis diante da gagueira. Alguns pais podem inclusive ter dificuldades em usar a própria palavra “gagueira”, preferindo outros termos como “disfluência” ou “problema de fala”. É bom lembrar que muitos pais compartilham dos estereótipos sociais negativos em relação à gagueira – na minha experiência clínica, percebo que ter uma criança que gagueja em casa quase nunca auxilia para desmistificar esses estereótipos.

Muitos pais temem que falar da gagueira possa ter impacto negativo sobre a criança e piorar a situação. Além disso, o silêncio sobre a gagueira pode não ser apenas com a criança, mas também com a escola, com alguns pais preferindo não falar sobre a gagueira do filho com o professor.

Muitas vezes, os pais querem falar sobre gagueira com a criança, mas não sabem o quê falar ou como falar, porque têm conhecimento limitado sobre o assunto. Também é função do fonoaudiólogo auxiliar neste processo, fornecendo informações sobre gagueira e, principalmente, sobre a gagueira da criança.

Quando os pais conversam com a criança sobre a gagueira, eles também dão o exemplo sobre o que a criança pode falar quando o assunto surgir em outras situações (com os amiguinhos, por exemplo).

Um ponto importante observado na revisão: nas famílias em que há diálogo entre pais e filhos sobre a gagueira, este diálogo se concentra nas técnicas de fala e nas sessões de fonoterapia. Raramente se conversa sobre como a criança se sente em relação à gagueira. A discussão sobre os sentimentos provocados pela gagueira pode ficar restrita à fonoterapia ou pode não ocorrer nem na fonoterapia. Como observado acima, as crianças também têm a necessidade de falar sobre como se sentem em relação à gagueira. Além disso, ao conversar com o filho, os pais podem ter melhor noção sobre o impacto da gagueira na vida da criança (por exemplo, se ela evita tirar dúvidas na sala de aula, se ela evita conversar em grupos de amigos, etc.).

As mães conversam mais sobre gagueira com os filhos do que os pais. As crianças também tendem a procurar mais as mães do que os pais para conversar sobre gagueira.

Os pais devem falar sobre gagueira de forma direta e objetiva (sem muitos rodeios) e com vocabulário que a criança entenda.

 

Minha experiência clínica

Percebo que alguns pais e mães estão traumatizados pela gagueira do filho (geralmente, são genitores que não gaguejam). A única coisa que eles querem é a remissão da gagueira o mais rápido possível. Devido ao próprio sofrimento, esses pais e mães podem não ter condições emocionais para conversar sobre a gagueira com o filho ou para perceber o sofrimento do filho em relação à gagueira.

Outros pais e mães ficam em dúvida se devem ou não falar sobre a gagueira, porque temem que o filho “internalize que é gago” e a gagueira se torne persistente. Podemos tentar o raciocínio contrário: falar sobre fluência faria a criança “internalizar que é fluente” e faria a gagueira passar? Reconhecer os momentos de fluência é importante, mas dificilmente apenas isso será suficiente para a remissão da gagueira (principalmente em casos com comorbidades – que são quase todos).

Outros pais e mães até querem falar sobre gagueira com a criança, mas não sabem nem por onde começar. Usar a palavra “gagueira” mesmo ou “disfluência” é melhor? Mostrar um áudio/vídeo da criança gaguejando ou não? É melhor deixar que só a fono converse? Todos esses são tópicos que podem aparecer e devem ser discutidos caso a caso.

É bom lembrar que algumas crianças não estão nem remotamente conscientes de que gaguejam. Isso pode acontecer inclusive com crianças em idade escolar, na faixa de 7 ou 8 anos. Nestes casos, prefiro aguardar a criança fornecer algum sinal de que começou a perceber que há algo diferente. Ela vai comentar que tenta falar e não sai ou vai demonstrar algum desconforto quando gaguejar com mais intensidade. Este comentário provavelmente vai vir em algum momento em que ela está a sós com os pais. Este é o momento de o adulto (mãe, pai, fono, etc.) demonstrar que está disponível para conversar. Não precisa ser na exata situação em que a criança falou sobre a gagueira, porque pode ser algo que pegou o adulto de surpresa. Mas é o momento de o adulto, pelo menos, começar a se preparar para iniciar o diálogo (que pode ocorrer em diversas partes, conforme o adulto vai aprendendo com a criança até onde ela percebe e entende o que está se passando). O adulto também não precisa se mostrar como aquele “que tem todas as respostas”: o conhecimento pode ir sendo construído gradualmente.

 

Referências

[1[ Hartman, I., Klop, D., & Swartz, L. (2024). Parental communication dynamics with children who stutter: A scoping review. International Journal of Language & Communication Disorders, 60(1), e13129.

[2] Shakeel, R., Shakeel, M., Ghulam, S., & S Bibi, N. (2021). Parental attitudes and knowledge about their child’s stuttering in Pakistan. Pakistan Pediatric Journal, 45(2), 200-206.