Em português, uma das características das palavras é o fato de apresentarem sílabas tônicas. Assim, diferenciamos oxítonas (como “papel”), paroxítonas (como “tarde”) e proparoxítonas (como “método”).
Para um falante nativo do português, é natural que as palavras possuam sílaba tônica, mas isso não ocorre em todas as línguas. O francês, por exemplo, não tem acento ao nível da palavra. Muitos pensam que, no francês, o acento sempre ocorre na última sílaba da palavra, mas isso não é verdade. Em francês, o acento recai sobre a última sílaba da última palavra do grupo acentual: é, portanto, um acento prosódico, mas não lexical.
Além da oposição de línguas com e sem acento ao nível da palavra, também há línguas com acento fixo ou livre. Em línguas de acento fixo, o acento da palavra sempre recai sobre a mesma sílaba. Por exemplo:
- Em húngaro, tcheco e finlandês, a sílaba tônica é sempre a primeira.
- Em macedônio, a sílaba tônica é sempre a antepenúltima.
- Em polonês e quíchua, a sílaba tônica é sempre a penúltima.
- Em turco, a sílaba tônica é sempre a última da palavra.
Em português, o acento é livre, mas não totalmente, porque está restrito a três possibilidades de realização: última, penúltima ou antepenúltima sílaba da palavra. E, mesmo assim, é razoavelmente previsível, porque geralmente recai sobre a penúltima sílaba.
Línguas que possuem acento livre apresentam maior possibilidade de formação de palavras, porque é possível diferenciar palavras apenas pelo acento. Por exemplo, em português, é apenas a acentuação o que diferencia a pronúncia de “para” e “Pará” e também de “prática” e “pratica”.
Popularmente, diz-se que a sílaba tônica é a “mais forte” da palavra. Será isso mesmo?
Costumamos avaliar três parâmetros acústicos na fala: duração, frequência e intensidade. Em português brasileiro, o mais importante desses parâmetros é, de longe, a duração [1]. Ou seja, uma vogal é tônica principalmente por ser mais longa quando comparada com a mesma vogal não-tônica. Como durações mais longas estão relacionadas à maior abertura mandibular, acaba ocorrendo maior propagação do som e, portanto, maior intensidade. Além disso, com a maior abertura mandibular, ocorre menor estiramento da musculatura das pregas vocais e, consequentemente, diminuição da frequência fundamental. Assim, podemos dizer que, em português, uma vogal em posição tônica é mais longa, mais forte e mais grave em relação à mesma vogal em posição não-tônica.
Os falantes nativos do português brasileiro sabem, implicitamente, que a duração é o correlato acústico mais robusto da sílaba tônica da palavra. Basta ver, por exemplo, uma estratégia muito usada por crianças para “descobrir” qual é a sílaba tônica: “chamar a palavra” como se estivesse chamando alguém que está longe. A sílaba mais longa é a tônica.
A título de ilustração, analisei minha própria fala em relação às palavras-alvo “para” e “Pará” (ambas inseridas na frase-veículo: “Digo [para / Pará] baixinho”).
Na palavra “para”, o primeiro “a” (tônico) dura quase 0,2 segundo e o segundo “a” dura quase 0,1 segundo. A figura abaixo mostra a forma de onda, o espectograma e a segmentação de cada fone de “para”.
Já na palavra “Pará”, ocorre o inverso: o primeiro “a” dura pouco mais de 0,1 segundo e o segundo “a” (tônico) dura quase 0,2 segundo. A figura abaixo mostra a forma de onda, o espectograma e a segmentação de cada fone de “Pará”.
As sílabas não-tônicas são chamadas de pré-tônicas (se ocorrem antes da tônica) ou de pós-tônicas (se ocorrem depois da tônica). Um leitor atento vai observar que o “a” não-tônico de “para” é mais curto do que o “a” não-tônico de “Pará”. Isso ocorre porque a acentuação não é tudo ou nada: é um processo que ocorre gradativamente durante a fala. Assim, o aumento de duração começa nas sílabas pré-tônicas, atinge o máximo na sílaba tônica e depois diminui muito na sílaba pós-tônica [1]. Isso é característico do português brasileiro. É por isso que o “a” pré-tônico de “Pará” é mais longo do que o “a” pós-tônico de “para”, embora ambos sejam não-tônicos.
Mas para que serve a acentuação, afinal? A acentuação funciona como um guia para o falante e para o ouvinte, porque a sílaba tônica tende a ser considerada a mais proeminente e, portanto, a mais importante da palavra. Falante e ouvinte tratam a sílaba tônica de maneira especial. No caso do português, o falante vai dedicar uma maior abertura mandibular para a vogal tônica (o que modifica duração, intensidade e frequência desta vogal em relação às outras da mesma palavra); já o ouvinte vai ancorar o reconhecimento auditivo da palavra em sua sílaba tônica.
Referência
[1] Barbosa, Plínio A. (2006). Incursões em torno do ritmo da fala. Campinas: Pontes e São Paulo: Fapesp.
* Agradeço ao colega linguista Prof. Dr. Pablo Arantes pelas contribuições ao conteúdo deste post.