No post anterior, falamos que algumas línguas tratam de forma privilegiada uma das sílabas das palavras, fazendo com que esta sílaba seja a mais proeminente (a tônica). Isso é chamado de “acento lexical primário”.
Entretanto, existe uma discussão sobre a possível existência de um acento secundário em palavras polissilábicas. Existem vários cenários:
- O primeiro é o da transformação do acento primário em secundário em palavras morfologicamente derivadas. Por exemplo, a palavra “indiscutível” recebe o acento primário na penúltima sílaba. A palavra “indiscutivelmente” também recebe o acento primário na penúltima sílaba. Mas, neste último caso, haveria um acento secundário, menos proeminente do que o primário, na sílaba “-ti-” de “indiscutivelmente”, como sinal de sua derivação morfológica?
- O segundo cenário é o da alternância binária de acento em palavras polissilábicas. Por exemplo, ainda considerando a palavra “indiscutivelmente”, antes da sílaba com acento primário (“-men-”), haveria dois acentos secundários em alternância? Algo do tipo: “indiscutivelmente”?
- O terceiro cenário é o da existência de um acento secundário na primeira sílaba de palavras polissilábicas. Neste caso, em “indiscutivelmente” haveria o acento primário em “-men-” e um acento secundário em “in-”: “indiscutivelmente”.
O linguista Pablo Arantes resolveu investigar esta questão (com orientação de Plínio A. Barbosa). Foram realizados dois estudos de produção de fala, os quais avaliaram a presença ou ausência de acento secundário em palavras polissilábicas.
O primeiro estudo avaliou palavras como “pururuca” (4 sílabas), “urucubaca” (5 sílabas), “colonoscopia” (6 sílabas) e “dirigibilidade” (7 sílabas). As palavras-chave estavam inseridas em uma frase-veículo: “A [palavra-chave] parece menor hoje”.
Analisando a duração das sílabas das palavras-alvo, não houve nenhuma evidência de acento lexical secundário (nem como derivação morfológica, nem como alternância binária e nem como acento inicial). A figura a seguir exemplifica os achados com relação às palavras-alvo de 5 sílabas. Os números de 1 a 5 da abscissa indicam de qual sílaba se trata. Vê-se que a duração silábica aumenta exponencialmente até a sílaba tônica da palavra (posições de 1 a 4) e decai bastante na sílaba pós-tônica (posição 5). Ou seja, os dados experimentais não corroboraram a hipótese de que, no português falado, palavras polissilábicas tenham outro acento, que não o primário.
Entretanto, houve proeminência inicial quando se analisou a frase como um todo (“A [palavra-chave] parece menor hoje”). A vogal inicial da frase (o artigo “a”) geralmente apresentou maior duração em relação à primeira vogal da palavra-chave. A figura a seguir mostra a evolução da duração nas unidades do tamanho da sílaba no trecho “artigo + palavra-alvo com 5 sílabas” (exemplo: “a urucubaca”); os números de 1 a 6 na abscissa indicam de qual vogal se trata. A maior proeminência corresponde à unidade com a vogal tônica (posição 5), mas também há outra proeminência, secundária, na unidade correspondente à primeira vogal (posição 1).
Assim, concluiu-se que, no português falado, pode haver proeminência prosódica secundária no início do grupo acentual, mas não há acento secundário ao nível da palavra.
Além da duração, foram avaliados outros parâmetros acústicos no estudo: frequência fundamental, configuração formântica e inclinação espectral. Também foi feito um segundo estudo de produção de fala, que avaliou se o tipo acentual das palavras-alvo (paroxítona ou oxítona), estruturas sintáticas (sujeito, objeto e subordinada) e o tipo de referente (novo ou velho) interferiam na ocorrência da proeminência prosódica inicial. E, para complementar, foi realizado um estudo de percepção de fala, que testou o tempo de reação dos ouvintes ao longo de diferentes pontos das frases.
Pela tese de doutorado desenvolvida sobre a questão das proeminências secundárias em português brasileiro, Pablo Arantes e Plínio A. Barbosa receberam menção honrosa no “Prêmio Capes de Teses 2011”, divulgado em junho deste ano. A tese chama-se “Integrando produção e percepção de proeminências secundárias numa abordagem dinâmica do ritmo da fala”. Foi produzida e defendida no Instituto de Estudos da Linguagem da UNICAMP.