Acentuação no português falado (III)

jul 09, 2012 | por Sandra Merlo | Prosódia

ListeningNos posts anteriores, falamos sobre a produção do acento no português brasileiro falado. Primeiro, abordamos a produção do acento lexical primário, sendo o aumento de duração seu correlato fonético-acústico mais importante. Em seguida, falamos sobre a inexistência do acento lexical secundário em palavras polissilábicas. Agora, vamos falar sobre a percepção do acento primário ao nível da palavra. A questão que pretendo abordar é: para o ouvinte, a sílaba tônica também é a mais importante da palavra?

Em línguas que possuem acento ao nível da palavra, o falante trata a sílaba tônica de maneira privilegiada. No caso do português, o acento é articulatoriamente realizado pela maior abertura mandibular, o que modifica os parâmetros acústicos de duração, intensidade e frequência. Mas essas informações acústicas são de fato utilizadas pelo ouvinte? Dois estudos podem ajudar a esclarecer.

Um dos estudos é a dissertação de mestrado da linguista Fernanda Consoni. No experimento realizado, a última sílaba das palavras era apagada. Havia igual número de palavras proparoxítonas, paroxítonas e oxítonas (conjuntos como: “máquina – maquina – maquinar”). A tarefa dos ouvintes era dizer qual palavra havia sido pronunciada. Os resultados indicaram que:

  • Pouquíssimas palavras receberam 100% de acerto. Ou seja, a partir do momento em que a palavra é degradada, a percepção do ouvinte é de fato prejudicada.
  • As palavras proparoxítonas e paroxítonas foram as mais corretamente identificadas pelos ouvintes (90 e 80%, respectivamente). Essas eram justamente as palavras em que a manipulação experimental preservou a sílaba tônica.
  • As palavras oxítonas foram as que mais impuseram dificuldades para os ouvintes. Neste caso, os acertos foram modestos (apenas 50%).

Ou seja, o estudo mostra que a sílaba tônica é um dos índices utilizados pelo ouvinte para identificar a palavra corretamente.

O outro estudo é a tese de doutorado do linguista Pablo Arantes. O experimento realizado testou a atenção do ouvinte ao longo de frases. Foi utilizada uma frase- veículo (“A [palavra-alvo] parece menor hoje”), a qual era preenchida com palavras-chave de 4 ou 5 sílabas (como “patarata” e “locomotiva”). As frases apresentavam dois grupos acentuais, assim delimitados: “A locomotiva / parece menor hoje”. Foram inseridos cliques ao longo das vogais do primeiro grupo acentual. Havia apenas um clique por frase. A tarefa dos ouvintes era apertar um botão toda vez que ouvissem o clique. O tempo de reação, isto é, o intervalo entre a audição do clique e o apertar do botão, foi medido.

A figura a seguir ilustra os resultados obtidos para palavras de 5 sílabas. O tempo de reação diminuiu à medida que o clique estava posicionado mais perto da sílaba tônica da palavra-alvo. Ou seja, o grau de atenção do ouvinte aumenta à medida que a sílaba tônica se aproxima.

Acentuação - percepção 5 sílabas
Pelo estudo sobre produção e percepção da acentuação em português brasileiro, Pablo Arantes e Plínio A. Barbosa receberam menção honrosa no “Prêmio Capes de Teses 2011”, divulgado em junho deste ano. A tese chama-se “Integrando produção e percepção de proeminências secundárias numa abordagem dinâmica do ritmo da fala”.

Portanto, a sílaba tônica é especial tanto para o falante, quanto para o ouvinte. Sendo mais proeminente, a sílaba tônica chama a atenção para as fronteiras entre as palavras (principalmente no caso de línguas com acento fixo). Como a produção articulatória da fala é um processo contínuo, o grau de coarticulação entre os fones é alto. Neste sentido, a existência de sílabas mais proeminentes ajuda a sinalizar as bordas entre palavras.

Encerro aqui esta pequena série de posts sobre a acentuação no português brasileiro falado.

 

* Agradeço ao colega linguista Prof. Dr. Pablo Arantes pelas contribuições ao conteúdo deste post.