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Audiência pública sobre gagueira (II)

Conforme previsto, foi realizada a audiência pública sobre gagueira na última terça-feira, dia 13 de novembro de 2018. Participaram da audiência representantes da sociedade civil (Instituto Brasileiro de Fluência e Associação Brasileira de Gagueira), representante de classe profissional (Conselho Federal de Fonoaudiologia) e representantes do governo federal (Ministérios da Saúde e da Educação). A audiência, na íntegra, pode ser assistida através deste link.

Drª Anelise Junqueira Bohnen, fonoaudióloga e presidente do Instituto Brasileiro de Fluência.

Eu e Anelise Junqueira Bohnen, também fonoaudióloga, representamos o Instituto Brasileiro de Fluência (IBF). A seguir, faço um breve resumo sobre pontos da nossa apresentação.

Um dos aspectos que ressaltamos refere-se ao ambiente escolar. Crianças, adolescentes e adultos com gagueira podem ser alvos de risos, imitações de suas falas e apelidos pejorativos por parte de colegas e de professores (sim, de professores também!). Isso pode acontecer em todos os níveis de ensino, incluindo o ensino superior (veja aqui o caso de uma aluna de curso superior que era constantemente ignorada por uma de suas professoras em sala de aula). Acreditamos que uma forma efetiva de melhorar a vida escolar de alunos com gagueira é através da capacitação dos professores. No Instituto Brasileiro de Fluência, a fonoaudióloga Eliana Maria Nigro Rocha desenvolveu o livreto “Gagueira: conversa com os professores” (veja aqui). Distribuímos este livreto aos professores com quem temos contato e temos retornos muito positivos. Desta forma, propusemos a elaboração de materiais escritos sobre gagueira para serem distribuídos para todos os professores de instituições públicas do país. Os materiais seriam adequados a cada nível de ensino (infantil, fundamental, médio e superior), tendo informações pertinentes a cada etapa escolar.

Drª Sandra Merlo, pessoa com gagueira, fonoaudióloga e diretora científica do Instituto Brasileiro de Fluência.

Outro aspecto que ressaltamos refere-se ao mercado de trabalho. Uma das perguntas que mais recebemos no Instituto Brasileiro de Fluência é se a gagueira é considerada deficiência para fins trabalhistas. A resposta é não, porque a gagueira não está incluída como deficiência pela legislação brasileira (embora seja considerada deficiência pela Organização Mundial da Saúde). Entretanto, algumas pessoas com gagueira, especialmente aquelas com comprometimentos mais significativos de fala, permanecem em um limbo: oficialmente são consideradas normais, mas, na prática, não conseguem competir em pé de igualdade com outros candidatos. Na nossa argumentação, citamos um decreto de 1890 e outro decreto de 1921, os quais especificavam que certos cargos militares não poderiam aceitar pessoas com gagueira. Também citamos que o site da própria Câmara dos Deputados considera a gagueira como deficiência ao citar filmes sobre o assunto (veja aqui). Por isso, consideramos fundamental que o Poder Público considere a inclusão da gagueira como deficiência. Neste caso, todas as pessoas com gagueira seriam consideradas como deficientes? Não, apenas aquelas com funcionamento bastante prejudicado. Como referiu o representante do Ministério da Saúde, está sendo desenvolvido e validado o “Índice de Funcionalidade Brasileiro”. Dependendo da pontuação da pessoa com gagueira neste Índice, ela poderia ou não ser considerada deficiente. Nos casos positivos, ela poderia se inscrever em concursos públicos como deficiente ou poderia ser incluída em cotas como deficiente na iniciativa privada.

Outro aspecto que ressaltamos refere-se à formação do fonoaudiólogo, que é o profissional legalmente habilitado para diagnosticar e tratar gagueira. Dos 68 cursos de graduação em Fonoaudiologia atualmente vigentes no país, apenas a metade possui a disciplina de “Distúrbios da Fluência” (na qual se estuda gagueira). Ou seja, metade dos fonoaudiólogos brasileiros obtém um diploma de graduação em Fonoaudiologia sem ter estudado gagueira (!). Como pesquisas já demonstraram, os estudantes de Fonoaudiologia exibem os mesmos preconceitos da população em geral em relação à gagueira e às pessoas que gaguejam. E a metade dos cursos de graduação em Fonoaudiologia, por não dispor da disciplina de “Distúrbios da Fluência”, não faz com que os graduandos se desfaçam desses preconceitos. Desta forma, solicitamos ao Ministério da Educação para que a disciplina de “Distúrbios da Fluência” (60 horas) seja obrigatória nos cursos de graduação em Fonoaudiologia.

Ainda outro aspecto que ressaltamos refere-se à capacitação dos fonoaudiólogos que já estão no mercado de trabalho. Em um decreto de 1852, Dom Pedro II se preocupou com os brasileiros que gaguejavam, como pode ser visto neste decreto. Solicitamos ao Ministério da Saúde para que esta preocupação seja retomada. O Ministério da Saúde mantém o “Portal Saúde Baseada em Evidências”, no qual oferece, por exemplo, livros/artigos sobre temas relacionados à saúde e vídeos de procedimentos. Sugerimos que sejam inseridos materiais neste Portal sobre gagueira, a fim de melhor capacitar os fonoaudiólogos sobre avaliação e tratamento da gagueira (e também outros profissionais de saúde que têm contato com pessoas com gagueira).

O texto de nossa apresentação pode ser lido aqui e os slides podem ser vistos aqui.

Posso dizer que o Instituto Brasileiro de Fluência ficou muito honrado em participar desta audiência pública sobre gagueira. Esperamos poder contar, em breve, com políticas públicas relacionadas à gagueira.