Biológica ou psicológica?

fev 17, 2023 | por Sandra Merlo | Gagueira, Psicologia

Acreditar em explicações biológicas ou não-biológicas da gagueira tem implicações diferentes.

O fonoaudiólogo americano Michael P. Boyle mapeou algumas implicações de se acreditar em explicações biológicas ou não-biológicas da gagueira [1]. Este é um tópico que desperta minha atenção há um bom tempo, porque percebo, na prática clínica, que há crenças e expectativas por trás da aceitação ou da rejeição de explicações biológicas ou psicológicas da gagueira.

Boyle reuniu um grupo de 372 adultos com gagueira, sendo 2/3 do sexo masculino e 1/3 do sexo feminino, com idade média de 38 anos (mas variando entre 18 e 87 anos). A grande maioria dos participantes (307) relataram terem feito algum tratamento para gagueira. A grande maioria (258) também relatou já ter participado de grupos de autoajuda para gagueira. A grande maioria (254) referiu nível superior de escolaridade.

Boyle apresentou um questionário com diversas perguntas e afirmações, com o intuito de avaliar o quanto os participantes concordavam com explicações biológicas e não-biológicas da gagueira e o quanto estas crenças se correlacionavam com a sensação de que é possível melhorar a fala e com sentimento de culpa ou vergonha em relação à gagueira.

Vamos aos achados principais!

 

1) O quanto você acha que a gagueira é causada por fatores biológicos (por exemplo, fatores físicos como funcionamento cerebral, genética, etc.)?

2) O quanto você acha que a gagueira é causada por fatores não-biológicos (por exemplo, personalidade, estresse, ambiente, trauma, experiências de vida, etc.)?

Os participantes concordaram mais com os fatores biológicos (nota 6,5) do que com os fatores não-biológicos (nota 4,9), embora ambos tenham tido pontuações importantes (a nota 9 era a máxima e indicava concordância total). Os homens tenderam a acreditar mais em fatores não-biológicos do que as mulheres, assim como adultos que nunca frequentaram grupos de autoajuda.

 

3) O quanto você acha que pessoas que gaguejam são autoconfiantes, capazes, sociáveis, nervosas, incompetentes, inseguras ou tímidas?

Aqueles que concordaram com explicações biológicas para a gagueira tendem a acreditar que pessoas que gaguejam são capazes, além de não serem nervosas e tímidas. Por outro lado, aqueles que concordaram com explicações não-biológicas para a gagueira tendem a acreditar exatamente no contrário.

 

4) Você acha que sua gagueira vai sumir algum dia?

5) Você acha que sua gagueira vai diminuir com o passar do tempo?

Aqueles que concordaram com explicações biológicas para a gagueira tendem a acreditar que não, enquanto aqueles que concordaram com explicações não-biológicas para a gagueira tendem a acreditar que sim.

 

6) A gagueira é culpa sua?

7) Você se envergonha da sua gagueira?

Os participantes que mais relataram culpa e vergonha foram aqueles que acreditam em explicações não-biológicas para a gagueira.

 

Resumidamente, Boyle encontrou que os participantes adultos que acreditam em explicações biológicas para a causa da gagueira tendem a não se sentirem culpados ou envergonhados pela gagueira, além de tenderem a não acreditar nos estereótipos de que pessoas que gaguejam são nervosas e tímidas. Mas, por outro lado, também tendem a achar que a gagueira não vai melhorar. Já os participantes adultos que acreditam em explicações não biológicas tenderam a acreditar no contrário.

Boyle discute sobre concepções incorretas que se pode ter a respeito dos fatores biológicos e não-biológicos (algo que também observo com frequência na prática clínica). Os fatores biológicos são vistos como permanentes e imutáveis; por isso a crença de que não é possível melhorar. Por outro lado, os fatores não-biológicos (ambientais ou psicológicos) são vistos como totalmente maleáveis; por isso a crença de que a cura total é possível. Uma visão alternativa é de que existem efeitos bidirecionais, ou seja, fatores biológicos interferem nos não-biológicos e vice-versa. Tendo uma concepção mais realista do que significa “biológico” e “não-biológico”, adultos com gagueira podem se sentir menos culpados e envergonhados pela gagueira, serem menos suscetíveis a acreditar em estereótipos em relação à gagueira e acreditarem que é possível melhorar.

 

Referência

[1] Boyle, M. P. (2020). Psychological correlates of biological and nonbiological explanations for stuttering. International Journal of Speech-Language Pathology, 22(4), 435-443.