Um consultório de fonoaudiologia precisa adotar uma série de condutas de biossegurança. Essas condutas são chamadas de “biossegurança” ou “sanitárias”, porque pretendem evitar ou minimizar a transmissão de infecções durante a prestação do serviço de saúde. As condutas de controle de infecção no serviço fonoaudiológico não devem ser negligenciadas, porque é grande o número de doenças infecciosas que podem ser transmitidas pela saliva, pelo cerúmen e/ou por perdigotos.
As medidas de controle de infecção dependem do procedimento que é realizado (tais como: exame intraoral, punção venosa, cirurgia) e não do paciente que é atendido (se apresenta alguma doença contagiosa ou não). Portanto, é o grau de risco do procedimento que determina os cuidados que devem ser tomados.
Infecções
Todos os micro-organismos listados a seguir podem ser transmitidos por fluidos corporais, incluindo saliva, cerúmen e/ou perdigotos (estes se referem à secreção expelida na tosse, no espirro ou durante a conversação). Também podem ser transmitidos por objetos infectados, originando uma situação chamada de contaminação secundária. Vamos a eles:
– BK (bacilo de Koch): é a bactéria que causa tuberculose. Esta bactéria é facilmente transmitida por perdigotos. A infecção acomete principalmente os pulmões, causando tosse por mais de quinze dias, dor no peito, emagrecimento e prostração. A tuberculose é a doença infecciosa que mais mata no Brasil.
– CMV (citomegalovírus): vírus facilmente transmitido pela saliva, perdigotos e sangue. Os sintomas incluem febre, dor de garganta, inflamação do fígado e do baço. Uma vez infectada, o vírus permanece no organismo para toda a vida. A infecção pode se tornar ativa toda vez que o sistema imune estiver debilitado. A infecção pelo CMV durante a gestação é a principal causa de deficiência mental em crianças.
– Epstein-Barr: vírus causador da mononucleose. É transmitido pela saliva e pelo sangue. Os principais sintomas da mononucleose são febre, dor de garganta, inchaço dos linfonodos do pescoço e inflamação do baço. Complicações incluem meningite, convulsões, ataxia, paralisia facial temporária e hepatite.
– Estreptococos do grupo A: são bactérias que causam diversas doenças, dentre elas a faringite estreptocócica e a escarlatina. São facilmente transmitidas por perdigotos ou saliva.
A faringite estreptocócica é a infecção de garganta mais comum. Uma complicação rara, mas grave, da faringite estreptocócica é a febre reumática, que afeta a pele, as articulações, o coração e o cérebro.
A escarlatina é caracterizada por uma série de manchas vermelhas na pele, inflamação da língua, dor de garganta, náuseas e vômitos. Uma complicação possível é a meningite.
– Influenza: é o vírus que causa gripe. A gripe é uma infecção do sistema respiratório, sendo que os sintomas incluem tosse, dor de garganta, dores musculares, dor de cabeça e febre alta. A principal complicação da gripe é a pneumonia.
A pneumonia é uma infecção pulmonar, que dificulta as trocas gasosas nos alvéolos pulmonares. Dentre os sintomas estão falta de ar, tosse, dor no peito e febre. Além de gripes e resfriados, outros fatores de risco para a pneumonia incluem o fumo e exposição frequente a ambientes com ar condicionado.
– HIV (vírus da imunodeficiência humana): é transmitido pelo sangue, leite materno, esperma e secreção vaginal. Durante o período de latência (o vírus está no organismo, mas não está ativo), o indivíduo é apenas HIV positivo, mas não apresenta Aids. O diagnóstico de Aids ocorre somente quando o vírus começou a destruir os glóbulos brancos do sistema imunológico humano. A destruição dos glóbulos brancos diminui a capacidade do organismo se defender contra outras doenças infecciosas. É o aparecimento de sintomas de doenças oportunistas o que caracteriza o quadro de Aids (síndrome da imunodeficiência adquirida).
A probabilidade de transmissão do vírus HIV em um consultório fonoaudiológico é baixa. Uma possibilidade é que um paciente com lesão na boca (aftas, mordeduras, ferimentos causados pelo uso da escova de dentes, gengivite, etc.) contamine com um pouco de sangue um objeto utilizado durante a terapia (guia de língua ou tubo de fonação, por exemplo). Sem a esterilização do objeto e na presença de matéria orgânica, o HIV pode sobreviver por até três dias. Se esse mesmo objeto for utilizado por outro paciente que também apresente lesão bucal, existe possibilidade de contágio. O HIV não é transmitido exclusivamente pela saliva, porque existem barreiras imunológicas na saliva que são capazes de neutralizá-lo.
– HSV-1 (vírus da herpes simples tipo 1): é transmitido pela saliva. Causa lesões na boca (similares a aftas) e nos olhos. Também há a possibilidade de infecção das meninges que recobrem o cérebro (meningoencefalite). A possibilidade de transmissão do vírus é constante, não sendo necessário a doença estar ativa. Uma vez no organismo, o HSV-1 nunca é eliminado e reaparece periodicamente de acordo com a maior ou menor suscetibilidade do sistema imunológico.
– Rinovírus: causa o resfriado comum, caracterizado principalmente por sintomas nasais (secreção, congestão e espirros). O vírus é facilmente transmitido por perdigotos e saliva. Complicações do resfriado incluem sinusite, otite e pneumonia.
– Togavírus: é o causador da rubéola. O vírus é transmitido pela saliva ou por perdigotos. A rubéola é caracterizada por manchas vermelhas na pele, febre, dor de cabeça, dor ao engolir e coriza. A infecção pelo togavírus durante a gestação é uma importante causa de surdez infantil.
– Varicela-zóster: é o vírus causador da varicela (catapora), da mesma família do herpes. A doença é caracterizada pela formação de 250 a 500 bolhas na pele, as quais rompem e secam. O vírus é transmitido através de perdigotos ou do contato direto com o líquido das bolhas estouradas. A catapora costuma ser menos grave abaixo de 10 anos e mais grave acima desta idade.
Uma complicação tardia da catapora é o herpes zóster (“cobreiro”). Depois que um indivíduo contrai catapora, o vírus permanece no organismo por toda vida, podendo ser reativado em momentos que o sistema imunológico está debilitado. Essa reativação vai causar o herpes zóster, que é caracterizado por dor intensa em uma região do corpo e consequente aparecimento de bolhas na pele daquela região.
– VHA, VHB e VHC (vírus das hepatites A, B e C, respectivamente): hepatite é um nome genérico para inflamação no fígado. A hepatite pode ter diversas causas, sendo uma delas a viral. Os sintomas da hepatite incluem febre, náuseas, vômitos, icterícia, urina escura e fezes claras.
O VHA é transmitido por saliva, fezes, água, alimentos ou mãos contaminadas. Assim, o saneamento da água e as medidas gerais de higiene são os principais meios de prevenção. As crianças são as maiores transmissoras do vírus da hepatite A.
O VHB e o VHC são transmitidos por saliva, sangue, esperma e secreção vaginal. As hepatites B e C podem evoluir para cirrose (falência do fígado) e câncer de fígado.
A probabilidade de transmissão do VHB em um consultório fonoaudiológico é baixa. Uma possibilidade é que um paciente contamine um objeto utilizado em terapia (guia de língua ou tubo de fonação, por exemplo) com saliva e/ou sangue. Sem a esterilização do objeto e na presença de matéria orgânica, o VHB pode sobreviver no objeto por até sete dias. Se esse mesmo objeto for utilizado por outro paciente que apresente lesão bucal, existe possibilidade de contágio.
Como se vê, não são poucos os micro-organismos que podem ser transmitidos durante a prática clínica em um consultório de fonoaudiologia. Alguns desses micro-organismos estão associados a doenças que não são tão graves, mas que podem ter complicações graves (como faringite estreptocócica e gripe) e outros estão associados a doenças graves (como Aids e hepatites). Todas as medidas que serão listadas nos próximos posts visam prevenir as infecções causadas por esses micro-organismos.