Causas do bruxismo

dez 18, 2018 | por Sandra Merlo | Odontologia

Causas periféricas (como alterações de oclusão) não têm se mostrado satisfatórias para explicar o bruxismo. Causas centrais (relacionadas à disfunção nos núcleos da base) têm sido aventadas.

As causas do bruxismo são estudadas há décadas. Segue abaixo um panorama dos avanços na área, com possíveis implicações para os casos concomitantes à gagueira.

 

Causas periféricas: teoria da oclusão

Os dentes são sustentados pelo periodonto, que são todas as estruturas que os envolvem: a gengiva, o ligamento, o cemento e o osso. O ligamento possui receptores neurais, os quais informam o sistema nervoso central (SNC) sobre pressões sobre os dentes, sobre a temperatura na região dos dentes e sobre danos físicos em torno dos dentes. Os receptores periodontais são supridos pelos ramos alveolares do nervo trigêmeo, o V par craniano.

Os dentes superiores estão inseridos na maxila, um osso fixo. Os dentes inferiores, por outro lado, estão inseridos na mandíbula, um osso móvel. O fato de a mandíbula ser um osso móvel faz com que o SNC precise de informações constantes sobre sua localização exata. São justamente os receptores periodontais que informam o SNC sobre a posição da mandíbula [1]. Uma atividade importante para a indicação da posição da mandíbula é a deglutição reflexa de saliva. Durante a deglutição reflexa de saliva, a maxila e a mandíbula entram em contato de forma breve e suave [1]. A pressão proveniente do contato físico entre as arcadas ativa os receptores periodontais de ambas as arcadas. É através da distribuição e da localização da pressão em cada dente que o SNC avalia se a mandíbula está na melhor posição de repouso possível [1]. Assim, se a pressão exercida pelo contato entre as arcadas estiver distribuída igualmente em todos os dentes, o SNC entende que a mandíbula está na melhor posição possível. Por outro lado, se os receptores enviarem informações de que alguns dentes estão suportando pressões maiores do que outros (devido a variações de oclusão, por exemplo), o SNC entende que a mandíbula não está na melhor posição de repouso possível [1]. É aí que iniciaria o bruxismo propriamente dito: o SNC enviaria comandos para a musculatura mastigatória a fim de reposicionar a mandíbula. Seria neste momento que o indivíduo começaria a ranger os dentes, a segurar a mandíbula de forma mais avançada ou a apertar uma arcada contra a outra. Como a posição ideal não é atingida (devido aos impedimentos físicos da maloclusão), o SNC não pararia de enviar comandos à musculatura mastigatória [1].

Este é um breve resumo da teoria da oclusão. Segundo esta teoria, alterações morfológicas na região oral seriam causadoras de bruxismo [1, 2]. Dentre estas alterações, estão as maloclusões (como mordida cruzada e mordida profunda anterior) e os contatos prematuros. Em razão da ausência de equilíbrio oclusal, os receptores periodontais induziriam o SNC a ativar os motoneurônios que suprem a musculatura mastigatória.

A teoria da oclusão apresenta alguns problemas, dentre eles:

  • Até hoje, não se sabe o quão perfeita deveria ser a oclusão para não induzir bruxismo [1, 2].
  • As alterações de oclusão tendem a ser tomadas como causadoras do bruxismo. Mas, até hoje, não foi devidamente estudada a relação inversa: o quanto o bruxismo altera a oclusão [2]. E, no limite, se as alterações de oclusão encontradas em algumas pessoas com bruxismo não são apenas consequência do bruxismo.
  • Ausência de estudos experimentais em animais que demonstrem que o bruxismo inicia após uma alteração de oclusão ser induzida [2].

Em 2012, foi publicado um artigo de revisão sobre a relação entre bruxismo e alterações de oclusão. Os autores revisaram 46 artigos publicados sobre o tema em língua inglesa. Concluíram não haver evidências científicas robustas para afirmar que alterações de oclusão ou fatores relacionados à anatomia do esqueleto orofacial sejam fatores causais do bruxismo [2].

 

Causas centrais: disfunção nos núcleos da base

Nesta outra teoria, alterações no funcionamento dos núcleos da base estariam na gênese do bruxismo. Os núcleos da base são agrupamentos de corpos neuronais (núcleos) localizados na base do cérebro. São constituídos por diversos núcleos: caudado, putâmen, globo pálido, núcleo subtalâmico e substância negra. Os núcleos da base recebem aferências de todo o córtex cerebral e enviam eferências ao tálamo.

O córtex cerebral envia sinais excitatórios ao estriado (caudado + putâmen), que é a via de entrada dos núcleos da base. O globo pálido interno e a parte reticulada da substância negra, por outro lado, são a via de saída e enviam sinais inibitórios ao tálamo. Há dois circuitos internos aos núcleos da base entre a via de entrada e a de saída: 1) um deles é a via direta, que, como o próprio nome diz, comunica diretamente a via de entrada com a de saída; 2) o outro circuito é indireto, sendo a via de entrada conectada à de saída através de circuitos intermediários pelo globo pálido externo e pelo núcleo subtalâmico.

Após a ativação do comando motor pelo córtex cerebral, os núcleos da base modulam o movimento. Por “modulação”, entende-se que os núcleos da base facilitem movimentos voluntários através da inibição de movimentos competitivos. Sem haver competição, o movimento desejado é executado de forma precisa e suave, com localização espacial, extensão e tônus adequados. (Maiores informações sobre os núcleos da base podem ser obtidas aqui).

Segundo a teoria central, a hiperatividade muscular do bruxismo seria causada por disfunções no funcionamento dos núcleos da base. Essas disfunções seriam resultado de alterações nas sinapses internas, induzidas por mudanças nas concentrações de neurotransmissores importantes ao funcionamento dos núcleos da base (como glutamato, dopamina, acetilcolina, ácido gama-aminobutírico, encefalina e substância P). As alterações nas sinapses, por sua vez, reduziriam as eferências inibitórias dos núcleos da base, ocasionando a hiperatividade muscular típica do bruxismo [1].

As mudanças nas concentrações de neurotransmissores seriam induzidas por algumas doenças neurológicas ou pelo uso de certos medicamentos ou substâncias [1]. Dentre os fatores de risco estão [3]:

  • Os distúrbios do sono, principalmente aqueles que levam a múltiplos despertares, como a apneia obstrutiva do sono. Os episódios de bruxismo tendem a ocorrer justamente nos momentos de despertar.
  • O uso continuado de inibidores seletivos de recaptação de serotonina, de neurolépticos ou de levodopa aumenta a probabilidade de bruxismo durante a vigília.
  • A nicotina, porque estimula vias dopaminérgicas. A incidência de bruxismo em fumantes tende a ser o dobro da incidência em não fumantes.

Não está claro se distúrbios neuropsiquiátricos podem ser fatores de risco para bruxismo [3]. Em relação a este aspecto, mais estudos bem controlados são necessários [3]. Entretanto, um estudo recente [4] analisou a ocorrência de bruxismo em 40 indivíduos com fobia social e em 35 indivíduos sem fobia social. (Vale lembrar que a fobia social é o transtorno de ansiedade mais frequentemente associado à gagueira persistente; ver aqui). O diagnóstico de bruxismo foi definido com base em um questionário e no exame clínico dentário. Os resultados indicaram que a ocorrência de bruxismo durante a vigília foi significativamente maior no grupo com fobia social em relação ao grupo sem fobia social [4]. Já o bruxismo durante o sono foi equivalente entre os grupos com e sem fobia social [4].

Assim como ocorre com o bruxismo, também se aventa a hipótese de envolvimento dos núcleos da base na gagueira. Já foi demonstrado, por exemplo, que sujeitos com gagueira persistente apresentam maior incidência de tiques motores, também causados por disfunção em circuitos envolvendo os núcleos da base [5]. Entretanto, até o momento, não há dados publicados sobre a ocorrência concomitante de gagueira e bruxismo, mas, segundo se observa na prática clínica, a ocorrência concomitante é significativa. A maior ocorrência de bruxismo em pessoas com gagueira poderia ser explicada pelo envolvimento dos núcleos da base nos dois distúrbios. Em termos terapêuticos, a ocorrência de bruxismo frequentemente leva à hipertonia muscular, prejudicando a aprendizagem de estratégias facilitadoras da fluência, como a suavização e a lentificação da fala.

 

Referências

[1] Behr, M.; Hahnel, S.; Faltermeier, A.; Bürgers, R.; Kolbeck, C.; Handel, G. & Proff, P. (2012). The two main theories on dental bruxism. Annals of Anatomy, 194: 216-219.

[2] Lobbezoo, F.; Ahlberg, J.; Manfredini, D. & Winocur, E. (2012). Are bruxism and the bite causally related? Journal of Oral Rehabilitation, 39: 489-501.

[3] Lobbezoo, F. & Naeije, M. (2001). Bruxism is mainly regulated centrally, not peripherally. Journal of Oral Rehabilitation, 28: 1085-1091.

[4] Hermesh, H.; Schapir, L.; Marom, S.; Skopski, R.; Barnea, E.; Weizman, A. & Winocur, E. (2015). Bruxism and oral parafunctional hyperactivity in social phobia outpatients. Journal of Oral Rehabilitation, 42: 90-97.

[5] Mulligan, H. F.; Anderson, T. J.; Jones, R. D.; Williams, M. J. & Donaldson, I. M. (2003). Tics and developmental stuttering. Parkinsonism & Related Disorders, 9: 281-289.