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Controle neural, respiração e fala

O centro respiratório do tronco encefálico também auxilia na regulação da periodicidade da respiração durante a fala.

Neste texto, são discutidos os impactos de dois mecanismos neurológicos na dinâmica respiratória durante a fala. O primeiro é o centro respiratório, o segundo é o efeito Lombard. Ambos são controlados pelo tronco encefálico.

 

Centro respiratório

O chamado “centro respiratório” não é um único agrupamento de neurônios, mas vários (veja figura aqui). Todos estão localizados bilateralmente ao longo do tronco encefálico [1].

O grupo dorsal é o mais importante deles. Ocupa grande parte da região posterior do bulbo. A maior parte dos neurônios está localizada no núcleo do trato solitário e alguns estão localizados na substância reticular. Os neurônios deste grupo estão relacionados apenas à inspiração. O ritmo básico da respiração é gerado por este grupo de neurônios, os quais disparam ritmicamente: em geral, são 2 segundos de disparos e 3 segundos de intervalo [1].

O centro pneumotáxico está localizado na região parabraquial da ponte. Sua função é modular a atividade do grupo dorsal. Quando o centro pneumotáxico está muito ativo, o grupo dorsal é muito inibido e a duração da inspiração pode ser de apenas 0,5 segundo. Quando está pouco ativo, o grupo dorsal é pouco inibido e a duração da inspiração pode chegar a 5 segundos. Ou seja, a função do centro pneumotáxico é limitar a duração das inspirações, fazendo aumentar o número de inspirações por minuto (e, portanto, a taxa respiratória) [1].

O grupo ventral está localizado nos núcleos ambíguo e retroambíguo. Este grupo de neurônios permanece inativo durante a respiração normal e também não participa da geração do ritmo respiratório. Este grupo se ativa apenas quando a necessidade respiratória é mais intensa, auxiliando na geração de contrações musculares mais intensas. São importantes, por exemplo, para contrair a respiração dos músculos abdominais durante a expiração [1].

 

Ritmo respiratório

A fonoaudióloga Margaret Denny publicou um artigo sobre a periodicidade da inspiração durante o repouso e durante a fala.

Cinco mulheres jovens (entre 20 e 30 anos) participaram do estudo. Elas não tinham histórico de problemas de audição e de fala. Nenhuma era fumante. Os sujeitos foram solicitados a ler em voz baixa por 30 minutos e a ler em voz alta por 15 minutos. Os movimentos respiratórios foram registrados com pletismografia por indutância. As bandas elásticas com os sensores foram posicionadas no tórax e no abdômen.

Os resultados indicaram semelhanças e diferenças do controle respiratório nas situações de repouso e de fala.

A duração da inspiração foi estatisticamente menor na fala em relação ao repouso. Por outro lado, o volume de ar inspirado na fala foi maior em relação ao repouso. Esses resultados são compatíveis com as mudanças que ocorrem no padrão respiratório durante a fala: inspiração rápida (requer menor duração) e expiração longa (requer maior volume de ar). Embora a autora não tenha discutido, a menor duração da inspiração na fala pode ser resultado da maior inibição do grupo dorsal pelo centro pneumotáxico e o maior volume de ar inspirado pode ser resultado da ativação do grupo ventral.

Também houve correlação positiva entre o volume inspirado e a duração da inspiração no repouso e na fala: ou seja, quanto maior o volume inspirado, mais longa a inspiração (e vice-versa). Essa correlação foi de 25% para o repouso e de 60% para a fala, em média.

Confirmando achados de estudos anteriores, houve correlação positiva entre o volume inspirado em um determinado ciclo e o volume expirado no ciclo anterior: ou seja, quanto mais intensa a expiração, mais intensa será a próxima inspiração. Também houve correlação positiva entre o volume inspirado em um determinado ciclo e o volume expirado no ciclo a seguir: ou seja, inspira-se mais intensamente quando a próxima expiração será mais intensa. Mas é importante ressaltar que o grau de correlação variou de sujeito para sujeito: de 10 até 40% (média em torno de 15%). Essas correlações foram válidas tanto para o repouso quanto para a fala.

A variação do volume inspirado e da duração da inspiração foi significativamente maior na fala em relação ao repouso. Entretanto, a variação do fluxo (volume/duração) foi apenas um pouco maior na fala em relação ao repouso. Esse achado confirma a hipótese de que a variabilidade do volume inspirado e da duração da inspiração durante a fala é ajustada para reduzir a variabilidade do fluxo respiratório.

Os dados também foram analisados em relação à periodicidade. Com exceção de um sujeito, todos os outros apresentaram de um a três ciclos periódicos de volume inspirado. Os períodos dos ciclos variaram entre 15 e 60 s. Os valores dos períodos dos ciclos foram similares no repouso e na fala. Essa similaridade rítmica sugere que o grupo dorsal, que controla a periodicidade inspiratória no repouso, também age na fala (embora não seja o único mecanismo que controla a respiração durante a fala).

Durante o repouso, a periodicidade inspiratória está relacionada ao aumento na concentração de gás carbônico. Dificilmente seria este o mecanismo responsável pela periodicidade inspiratória durante a fala, porque a fala está relacionada à hiperventilação e não à hipoventilação. A autora sugere que a periodicidade inspiratória durante a fala está relacionada ao maior alerta que acompanha esta atividade. Isso é possível, porque alguns neurônios do grupo dorsal estão localizados na substância reticular, relacionada ao grau de alerta fisiológico. O maior grau de alerta disparado pela fala ou pela leitura estimularia o grupo dorsal no bulbo, gerando os mesmos padrões periódicos observados durante o repouso.

Os resultados do estudo, portanto, fornecem suporte à hipótese de que o centro respiratório do tronco encefálico também auxilia no controle do ritmo respiratório durante a fala.

 

Efeito Lombard

No dia-a-dia, diversas situações podem requerer maior intensidade vocal: intenso ruído ambiental, interlocutor distante, interlocutor com deficiência auditiva, etc. O aumento de intensidade vocal especificamente devido ao ruído ambiental é chamado de “efeito Lombard”. Esse efeito foi descrito pela primeira vez em 1911 pelo otorrinolaringologista francês Étienne Lombard.

Sophie Schuster & colaboradores publicaram sobre um artigo sobre o efeito Lombard em pássaros. Animais como aves e mamíferos apresentam o efeito Lombard; por outro lado, rãs não o apresentam. O fato de o efeito Lombard estar presente em aparentemente todas as espécies de pássaros sugere que este reflexo foi selecionado cedo ao longo da evolução das espécies: sua seleção deve ter ocorrido há, pelo menos, 119 milhões de anos. Tendo em vista que a circuitaria neuronal que viabiliza o efeito Lombard está localizada no tronco encefálico, que é a região mais antiga do cérebro vertebrado, é possível que este reflexo tenha evoluído a partir de um ancestral comum entre aves e mamíferos (o amniota primitivo).

Quanto à localização neural do efeito Lombard, Satoshi Nonaka & colaboradores já haviam demonstrado que estava no tronco encefálico (estudo feito com gatos). Entretanto, Steffen Hage & colaboradores sugeriram especificamente duas regiões: a região periolivar do complexo olivar superior e a formação reticular adjacente ao complexo olivar superior e ao núcleo ventral do lemnisco lateral. Essas duas regiões estão na parte caudal da ponte, cujos neurônios foram inibidos ou excitados pelo ruído ambiental e pela produção vocal do animal (estudo feito com macacos).

É fato que o ruído pode ser um grande empecilho para a comunicação oral. Ser capaz de, reflexamente, aumentar o volume vocal para que o ruído ambiental não mascare a mensagem parece ser um dos pré-requisitos mais básicos da comunicação oral.

 

Intensidade vocal

As fonoaudiólogas Alison Winkworth & Pamela Davis publicaram um artigo sobre a dinâmica respiratória do efeito Lombard.

Cinco mulheres jovens (entre 20 e 35 anos) participaram do estudo. Nenhuma apresentava histórico de distúrbios de audição, fala ou respiração. Todos os sujeitos passaram em triagem de audiometria tonal e em triagem espirométrica.

A dinâmica respiratória foi avaliada com magnetometria. As bobinas geradoras foram posicionadas na caixa torácica e no abdômen; os sensores foram posicionados em regiões correspondentes do dorso. Importante ressaltar a posição dos sujeitos durante o experimento: não estavam em posição ereta ou supina, mas inclinados. Este dado é relevante, porque a dinâmica respiratória se modifica de acordo com a posição corporal (ver segundo texto desta série).

Os sujeitos leram um texto em voz alta e também produziram um monólogo em três condições auditivas: sem ruído de fundo, com ruído de fundo de 55 dB e com ruído de fundo de 70 dB. O ruído de fundo consistia em uma gravação de diversas pessoas falando simultaneamente.

Os resultados indicaram que os sujeitos realmente aumentaram a intensidade vocal nas situações de ruído moderado e intenso (81 e 86 dB, respectivamente, em média) em relação à situação sem ruído (68 dB, em média). Não houve diferença da intensidade vocal em relação às modalidades comunicativas (leitura ou fala).

Entretanto, os volumes pulmonares inspirados e expirados não se modificaram nas situações de ruído em relação à situação sem ruído. Em média, os volumes inspirados e expirados foram de 17 e 18% da capacidade vital, respectivamente. A duração das expirações também não se modificou nas situações de ruído em relação à situação sem ruído: 3 e 4 s na leitura e na fala, respectivamente, em média.

Considerando todos os ciclos respiratórios, 96% apresentaram predominância de movimentação torácica. 8% dos ciclos respiratórios apresentaram padrão expiratório sequencial (contração torácica seguida de contração abdominal).

Portanto, a despeito de os sujeitos realmente terem aumentado a intensidade vocal nas situações com ruído de fundo, esse ajuste prosódico não foi realizado com maiores volumes inspirados e/ou expirados. Em princípio, um maior volume inspirado aumentaria a pressão de retração pulmonar na expiração, o que, por sua vez, aumentaria a pressão subglótica e a intensidade vocal.

As autoras conjecturam que o aumento de intensidade vocal pode ter ocorrido por mudanças nas configurações glótica e/ou supraglótica. Um exemplo de ajuste laríngeo seria o aumento da resistência glótica devido a mais rápida e mais prolongada adução das pregas vocais. Um exemplo de ajuste supraglótico seria a maior abertura bucal.

 

Referência

[1] Guyton, A. C. & Hall, J. E. (1996). Regulation of respiration. In: Textbook of medical physiology (pp. 525-35). 9th ed. Philadelphia: W. B. Saunders Company.