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Disfluências, fadiga e sonolência

A fadiga e a sonolência aumentam as disfluências mesmo em pessoas sem distúrbios da fluência.

A fonoaudióloga Carla Vasconcelos e colaboradores publicaram um relato de caso com a análise da fala e da voz de um piloto de avião que se envolveu em um acidente fatal [1]. Diversos dados (dentre eles as disfluências) sugeriram que o piloto estava fadigado e sonolento no dia do acidente.

A fadiga é um estado em que há prejuízo de desempenho após um período de esforço mental ou físico, sendo reduzida com o descanso [1]. Já a sonolência é um estado de transição entre vigília e sono, sendo reduzida com o sono adequado [1]. Em situações de fadiga e sonolência, o indivíduo não é capaz de se concentrar adequadamente e seu raciocínio fica lentificado. Por isso, a execução de tarefas que exijam intensa concentração e raciocínio rápido em indivíduos que estejam fadigados e sonolentos fica prejudicada.

 

Estudo de caso

O piloto em questão era brasileiro, do sexo masculino e com 45 anos. Há registro de que ele relatou estar fadigado e sonolento antes de iniciar o voo. Em torno das 10h da manhã, próximo ao momento do pouso, o piloto cometeu um erro técnico, o que fez a aeronave inclinar para baixo. Não houve tempo suficiente para a correção desse erro, tendo havido desfecho fatal a todos os ocupantes da aeronave.

Os autores analisaram dados de fala e voz do piloto nos arquivos disponibilizados pelo Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aéreos (CENIPA):

  • Diálogo gravado em comunicação com a torre de controle 35 horas antes do acidente. Este diálogo teve duração de 16 minutos;
  • Diálogo gravado durante o voo em si, desde o taxiamento e a decolagem até a última comunicação com a torre de controle. Este diálogo teve duração de 30 minutos.

Devido ao ruído intenso das gravações e o limite de registro espectral, parâmetros como frequência fundamental, formantes e intensidade não puderam ser extraídos. Entretanto, foi possível extrair:

  1. A transcrição da fala (com a respectiva identificação das sílabas);
  2. A duração de cada trecho de fala;
  3. A taxa de elocução (número de sílabas pela duração de cada trecho de fala);
  4. A duração de cada trecho de articulação fluente (sem pausas ou disfluências);
  5. A taxa de articulação fluente (número de sílabas pela duração da articulação fluente);
  6. A duração das pausas (silenciosas e preenchidas);
  7. O número e duração média das pausas (silenciosas e preenchidas);
  8. Percentual de disfluências (número de disfluências pelo número de sílabas).

Um exemplo de transcrição no dia do acidente é:

“Rádio… de ba-… da base de Santos boa tar- bom dia Papa Romeu Alfa Fox Alfa. Na escuta?”

Neste trecho, o piloto necessitou de ~8 segundos para pronunciar 18 sílabas fluentes, com apenas 2,6 sílabas por segundo e com presença de disfluências (sublinhado) do tipo pausas silenciosas hesitativas e falsos inícios corrigidos.

Os resultados indicaram redução significativa na taxa de elocução no dia do acidente em comparação com o dia anterior (~4 e ~5 sílabas por segundo, respectivamente). Também houve redução significativa na taxa de articulação no dia do acidente em comparação com o dia anterior (~4 e ~5,5 sílabas por segundo, respectivamente). Houve também aumento no número de disfluências, principalmente de pausas silenciosas hesitativas e pausas preenchidas, quando se comparou a fala do dia do acidente com o dia anterior. A ocorrência da lentificação na produção da fala (tanto pela redução no número de sílabas fluentes, como pelo aumento das disfluências) é um fator que sugere fadiga e sonolência importantes no dia do acidente.

Em relação à fonação, o piloto apresentava voz crepitante no dia do acidente. Este achado não seria esperado em um ambiente ruidoso de cabine de aeronave devido ao efeito Lombard (um reflexo presente em espécies que utilizam comunicação vocal, a fim de aumentar a relação sinal-ruído). A presença de voz crepitante é mais um fator que sugere fadiga e sonolência importantes no dia do acidente.

Este estudo de caso sugere que a fadiga e a sonolência aumentam as disfluências mesmo em indivíduos que não apresentam distúrbios da fluência. Importante ressaltar que, em sua tese de doutorado [2], a fonoaudióloga Carla Vasconcelos [2] corroborou tais achados através da análise da leitura e da fala semiespontânea em outros 10 pilotos em situação de fadiga e/ou sonolência (veja o subestudo 5 da tese).

O CENIPA estima que cerca de 90% dos acidentes aéreos são causados por erros humanos. Já a National Aeronautics and Space Administration (NASA) estima que 20% dos acidentes aéreos no mundo são causados especificamente por fadiga e/ou sonolência excessivas dos pilotos. Neste sentido, análises automatizadas da fala e da voz poderiam fornecer pistas sobre o grau de fadiga e sonolência dos pilotos ajudando na redução dos acidentes aéreos [1, 2].

 

Referências

[1] Vasconcelos, C. A., Vieira, M. N., Kecklund, G., & Yehia, H. C. (2019). Speech analysis for fatigue and sleepiness detection of a pilot. Aerospace Medicine and Human Performance, 90 (4), 415-418.

[2] Vasconcelos, C. A. (2019). Fadiga e sonolência em aviadores: análise de variações da voz, fala e linguagem. Tese de doutorado. Universidade Federal de Minas Gerais.