Doença de Parkinson e fluência da fala

jun 10, 2013 | por Sandra Merlo | Doença de Parkinson, Gagueira

A doença de Parkinson tende a piorar a fluência da fala, através do aumento de hesitações comuns e gaguejadas.

Neste texto, abordo o aumento de hesitações na fala de indivíduos com Parkinson e também a hipótese do excesso de dopamina na gagueira.

 

Hesitações na fala e doença de Parkinson

Um aspecto pouco comentado na doença de Parkinson é que os sintomas motores também podem ocasionar aumento de hesitações na fala. Em princípio, o aumento de hesitações na fala de pessoas com Parkinson poderia ser explicada através dos próprios sintomas da doença (acinesia, bradicinesia, etc.). Mas ainda é necessário esclarecer se há algum tipo de relação causal entre o tipo de sintoma predominante e o tipo de hesitação apresentada. Por exemplo:

  • A acinesia poderia levar a um aumento de pausas hesitativas e de bloqueios fônicos.
  • A bradicinesia poderia levar a um aumento de alongamentos fônicos.
  • A perseveração poderia acarretar aumento de repetições.
  • A hipertonia plástica também poderia acarretar aumento de bloqueios fônicos.

Dois fonoaudiólogos americanos (A. Goberman & M. Blomgren) publicaram um artigo sobre hesitações na fala de indivíduos com Parkinson.

Nove pacientes com diagnóstico de doença de Parkinson, fazendo uso da mesma medicação e com idade média de 69 anos participaram do estudo. Todos eram falantes nativos do inglês, apresentavam disartria hipocinética e não relatavam histórico de gagueira. Esses sujeitos foram pareados por sexo e idade com oito idosos sem a doença.

Foram feitas gravações de fala dos pacientes em três situações:

  • 30 minutos antes da medicação (supostamente com níveis baixos de dopamina);
  • 1 hora depois da medicação (supostamente com níveis altos de dopamina);
  • 2 horas depois da medicação (supostamente com níveis médio-altos de dopamina).

Os controles fizeram, obviamente, apenas uma gravação.

As amostras de fala consistiram de leitura em voz alta e fala semiespontânea.

Os resultados indicaram que os sujeitos com Parkinson apresentavam significativamente mais hesitações na fala em relação aos controles. Essa diferença ocorreu apenas para a fala semiespontânea, não para a leitura. Além disso, essa diferença englobou tanto hesitações gaguejadas (alongamentos fônicos, repetições de parte de palavra e repetições de palavras monossilábicas), quanto hesitações comuns (repetições de palavras com mais de uma sílaba, repetições de sintagma e falsos inícios).

Os sujeitos com Parkinson e os controles apresentaram, em média, 3% e 0,6% de hesitações na fala semiespontânea, respectivamente. O número de hesitações apresentadas pelos pacientes com Parkinson se manteve constante ao longo das gravações (30 minutos antes, 1 hora depois e 2 horas depois da medicação). Assim, não houve diferença na quantidade de hesitações na fala do grupo com Parkinson em relação ao horário de ingesta da medicação.

Portanto, os resultados do estudo mostraram que a quantidade de hesitações (comuns e gaguejadas) foi cinco vezes maior na fala de sujeitos com Parkinson em relação aos controles.

 

Thomas Benke & colaboradores publicaram um artigo sobre as repetições hesitativas produzidas por 15 sujeitos com Parkinson. Foram realizadas diversas tarefas linguísticas: respostas a perguntas, descrição de figura, leitura em voz alta, repetição de frases e citação dos meses do ano. Foram consideradas repetições hesitativas de qualquer natureza (fones, sílabas, palavras e sintagmas). Cada repetição foi avaliada em relação a quatro aspectos: fluência (fluente ou não fluente), taxa de articulação (constante ou com aceleração), articulação (normal ou preservada) e loudness (constante ou com variação).

Não foi realizada análise acústica dos dados de fala, apenas análise de oitiva.

Os resultados indicaram que as repetições hesitativas poderiam ser divididas em dois grandes grupos:

  • Tipo 1: repetições semelhantes à palilalia, produzidas com taxa de articulação crescente, imprecisão articulatória e loudness decrescente. Ao todo, 37% das repetições eram deste tipo.
  • Tipo 2: repetições semelhantes à gagueira, produzidas com taxa de articulação constante, precisão articulatória e loudness constante. Ao todo, 48% das repetições eram deste tipo.

O estágio da doença foi um fator importante para explicar a presença das repetições hesitativas na fala. Os 15 sujeitos que participaram da pesquisa foram selecionados a partir de um grupo com 53 sujeitos. Apenas esses 15 sujeitos apresentaram repetições hesitativas em suas falas durante a avaliação. Quase todos eles (13 exatamente) estavam em estágios mais avançados da doença.

O material linguístico também se mostrou um fator importante. As repetições hesitativas geralmente ocorreram em sílabas e palavras. Poucas envolveram fones e sintagmas. A sílaba é a menor unidade de planejamento rítmico e a palavra é a menor unidade de planejamento lexical. Isso sugere que as dificuldades dos sujeitos estavam relacionadas ao ritmo da fala e ao acesso lexical.

O tipo de tarefa linguística foi outro fator importante. Foram feitos dois tipos de leitura e de repetição de frases. Em uma variante, os materiais continham apenas palavras do alemão (a língua nativa dos sujeitos). Na outra variante, 15% dos itens foram substituídos por pseudopalavras com fonologia regular do alemão. Nas tarefas com pseudopalavras, as repetições hesitativas foram significativamente mais frequentes em relação às tarefas sem pseudopalavras. Isso sugere que o aumento das repetições nas tarefas com pseudopalavras deveu-se ao processamento fonológico adicional.

Portanto, os resultados deste outro estudo mostraram que as repetições hesitativas na fala de sujeitos com Parkinson estão relacionadas a diversos níveis de processamento linguístico: fonético-fonológico, prosódico e lexical.

 

Hipótese neuroquímica da gagueira

Existe uma hipótese que relaciona a gagueira ao excesso de dopamina no cérebro. Existem dados de neuroimagem e também dados clínicos que dão suporte a esta hipótese.

Joseph Wu & colaboradores publicaram um artigo sobre a atividade dopaminérgica em três adultos com gagueira e seis adultos sem gagueira. Foi utilizado exame de PET Scan com dopamina marcada com isótopo de flúor. A utilização deste isótopo específico fez com que a atividade dopaminérgica pudesse ser inferida. Dentre as áreas hiperativadas estavam a cauda do núcleo caudado e o pulvinar do tálamo, ambos no lado esquerdo do cérebro.

Braun & colaboradores publicaram um artigo sobre a ativação cerebral em 18 adultos com e 20 adultos sem gagueira. Foi utilizado exame de PET Scan com água marcada com isótopo de oxigênio. Foram propostas diversas atividades para os sujeitos durante o escaneamento cerebral (repouso, praxias oromotoras, construção de frases, narrativa, fala ritmada e fala decorada). Um dos resultados do estudo referiu-se à correlação entre grau de fluência e ativação cerebral. Quanto mais os sujeitos gaguejavam, maior era a tendência de ativar o putâmen e o núcleo ventral do tálamo, ambos do lado esquerdo do cérebro.

Kate Watkins & colaboradores publicaram um artigo sobre a anátomo-fisiologia cerebral de 12 adultos com e 10 adultos sem gagueira. Foi utilizado exame de ressonância magnética (funcional e por difusão). Os sujeitos realizaram tarefas de leitura de sentenças com e sem alteração de feedback auditivo. Dentre os resultados, foi detectada maior ativação no putâmen direito e no mesencéfalo (substância negra ou núcleo subtalâmico) bilateralmente.

A hipótese do excesso de dopamina na gagueira também apresenta suporte clínico. Algumas pessoas com gagueira se beneficiam do uso de medicamentos bloqueadores de dopamina (como a risperidona e a olanzapina).

 

A hipótese do excesso de dopamina prevê que as hesitações gaguejadas ocorreriam devido ao excesso de dopamina produzida pela parte compacta da substância negra. O excesso de dopamina ao mesmo tempo provoca hiperativação da via direta e hipoativação da via indireta dos núcleos da base.

Na doença de Parkinson, ocorre exatamente o oposto: a falta de dopamina devido à degeneração da parte compacta da substância negra provoca hipoativação da via direta e hiperativação da via indireta. Os sujeitos com Parkinson deveriam, então, apresentar menor número de hesitações gaguejadas em relação aos sujeitos sem a doença. Na prática, não é o que se verifica (como demonstra os resultados dos artigos vistos na seção anterior). Assim, o aumento de hesitações na fala de pessoas com Parkinson contradiz a hipótese do excesso de dopamina na gagueira. Desta forma, são necessários mais estudos a fim de se refinar as hipóteses sobre as duas condições e melhor explicar os dados clínicos.