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Eletroterapia e gagueira

Man with problems in the neck and in the spine massage makes electrostimulator.Praticamente inexistem estudos sobre gagueira e eletroterapia. Encontrei uma referência do século XIX e outra do século XXI. Vamos a elas!

 

Considerações históricas sobre eletroterapia e gagueira

Robert Remak foi um embriologista, fisiologista e neurologista que viveu no século XIX. A sua tese de doutorado apresentou uma contribuição até então inédita: ele demonstrou a existência de fibras neurais desmielinizadas (as quais foram posteriormente chamadas de “fibras de Remak”) e que a coloração acinzentada dessas fibras devia-se justamente à ausência de bainha de mielina. Ele também foi o primeiro cientista a demonstrar que o córtex cerebral é constituído por seis camadas. Também estudou intensamente a atividade elétrica dos nervos.

Ele também fez descobertas importantes na embriologia. Demonstrou a existência de três camadas no embrião (hoje chamadas de ectoderme, mesoderme e endodorme) e que as novas células são geradas pela divisão sucessiva das células existentes.

Na sua prática clínica como neurologista, fazia amplo uso da eletroterapia, tão em voga na época. Ele considerava essencial estimular a junção neuromuscular e não o músculo em si. Utilizava corrente galvânica (contínua). Chegou inclusive a construir um aparelho de eletroterapia, o qual ficou conhecido como “aparelho de Remak”.

Em 1858, Remak publicou o livro “Galvanotherapie der nerven- und muskelkrankheiten”, escrito em alemão (disponível na íntegra aqui).

Neste livro, Remak refere ter tratado mais de 700 pacientes com eletroterapia. Ele defendeu que a eletroterapia com corrente galvânica era adequada para tratar as seguintes doenças: reumatismo agudo ou crônico; hemiplegias; paraplegias; atrofia muscular; coreia; gagueira; tremores em membros superiores ou inferiores; câimbra do escrivão (ver pág. 243 do livro).

Na pág. 219, Remak cita que um de seus pacientes foi um menino de 12 anos com gagueira. Este menino havia feito treze tratamentos, mas sua fluência piorou continuamente. Em 1857, o menino fez o tratamento eletroterápico proposto por Remak. Teria havido cura da gagueira. Este não foi o único paciente com gagueira tratado com eletroterapia por Remak. Ele afirma ter tratado diversos casos (ver pág. 271), com resultados favoráveis.

 

Eletroterapia e gagueira na atualidade

A fonoaudióloga Clarice Tomazzeti publicou uma dissertação de mestrado sobre o uso da eletroterapia na gagueira (resumo disponível aqui).

Cinco homens com gagueira, entre 15 e 56 anos, participaram do estudo. Ao todo, foram realizadas 20 sessões de terapia. Todos os pacientes foram atendidos individualmente, duas vezes por semana.

O Grupo 1 foi composto por três pacientes. Este grupo recebeu terapia combinada: o programa de terapia foi associado à eletroterapia. A sessão de terapia teve duração de 45 minutos: 15 minutos para eletroterapia e 30 minutos para exercícios.

O Grupo 2 foi composto por dois pacientes. Este grupo recebeu apenas o programa de terapia, sem eletroterapia. A sessão de terapia teve duração de 30 minutos.

O programa de terapia foi constituído por três partes:

  1. A primeira parte consistiu na audição de trechos de fala previamente gravados para a identificação explícita dos episódios de gagueira e das estratégias utilizadas para facilitar a fala. Foram destinadas cinco sessões para esta etapa.
  2. A segunda parte consistiu na mudança de comportamentos (por exemplo, melhorar o contato ocular durante a fala) e no enfrentamento de situações. Foram destinadas cinco sessões para esta etapa.
  3. A terceira parte consistiu na prática de técnicas de fluência (bounce, cancelamento, contato suave, prolongamento, gagueira voluntária e pull-out). Foram destinadas dez sessões para esta etapa.

Foi utilizada eletroterapia do tipo TENS (transcutaneous electrical nerve stimulation). Utilizou-se frequência de 100Hz e duração de pulso de 200μs, na intensidade mais alta tolerada por cada paciente. Foram estimulados dois músculos por vez, durante cinco minutos: orbicular da boca e masseter; bucinador e mentoniano; esternocleidomastoideo e trapézio superior. O objetivo com o uso da TENS era a analgesia, o aumento da circulação sanguínea e o relaxamento muscular.

Os resultados foram os seguintes:

  • Grupo 1, sujeito 1: 5% e 9% de sílabas gaguejadas pré e pós-tratamento, respectivamente.
  • Grupo 1, sujeito 2: 10% e 7% de sílabas gaguejadas pré e pós-tratamento, respectivamente.
  • Grupo 1, sujeito 3: 25% e 7% de sílabas gaguejadas pré e pós-tratamento, respectivamente.
  • Grupo 2, sujeito 4: 10% e 5% de sílabas gaguejadas pré e pós-tratamento, respectivamente.
  • Grupo 2, sujeito 5: 14% e 8% de sílabas gaguejadas pré e pós-tratamento, respectivamente.

Todos os sujeitos melhoraram com a terapia, com exceção do sujeito 1. Devido ao número reduzido de sujeitos, não é possível concluir que a terapia combinada foi superior à terapia convencional.

Os três pacientes que receberam eletroterapia referiram sensação de bem-estar com o procedimento. Também referiram sentir a fala mais solta e terem mais facilidade para controlar a fala após o procedimento.

 

A eletroterapia não invasiva pode ser mais um recurso terapêutico para o manejo da gagueira. Entretanto, são necessários mais estudos para comprovar sua eficácia.