Gagueira e amamentação

dez 21, 2013 | por Sandra Merlo | Gagueira, Nutrição

Estudo sugere que a amamentação natural pode proteger contra gagueira persistente.

Como último texto do ano, abordo um artigo publicado recentemente pelas fonoaudiólogas Jamie Mahurin-Smith & Nicoline G. Ambrose, que sugeriu que a amamentação natural pode proteger as crianças contra a gagueira persistente.

 

Dieta e sistema nervoso

A dieta de uma criança afeta o desenvolvimento do seu sistema nervoso. Ao nascer, o cérebro do recém-nascido tem aproximadamente 350 g. Um ano depois, o cérebro já atingiu pouco mais de 1 kg. Mais da metade da massa sólida é composta por lipídios. A ingestão diária de gorduras, portanto, afeta diretamente o desenvolvimento do cérebro da criança.

O leite humano possui dois ácidos graxos que afetam o desenvolvimento do sistema nervoso: ômega 3 e ômega 6. Como nenhum deles é sintetizado pelo organismo, ambos precisam ser ingeridos pela dieta.

O ômega 3 é o ácido graxo mais abundante no cérebro de mamíferos. Está presente tanto nos corpos neuronais, quanto nos axônios (inclusive formando a bainha de mielina). Quando a ingestão de ômega 3 é insuficiente para o desenvolvimento do sistema nervoso da criança, outros ácidos graxos são utilizados para tentar compensar a carência de ômega 3. É por isso que carências nutricionais precoces podem ter efeitos para o resto da vida.

A presença de ácidos graxos na composição da membrana celular do neurônio pode afetar a expressão genética da célula. Isso porque os ácidos graxos ômega 3 e ômega 6 estão diretamente relacionados à taxa de transcrição de alguns genes.

A maior parte das fórmulas de leite em pó infantil não contêm ômega 3 ou ômega 6. Assim, crianças não amamentadas ou pouco amamentadas de forma natural apresentam diferenças estruturais no sistema nervoso em relação a crianças amamentadas ao peito.

Em relação à linguagem e à cognição, é sabido que crianças que receberam aleitamento natural por um mínimo de seis meses pontuam mais em testes de inteligência. Além disso, balbuciam mais cedo e apresentam menor risco de desenvolver distúrbio específico de linguagem.

 

Amamentação natural e gagueira

A novidade do estudo é correlacionar amamentação natural e gagueira. A hipótese é que a tendência à gagueira persistente diminui conforme aumenta o tempo de amamentação natural.

Foram feitas diversas avaliações da fala das crianças que participaram do estudo. A avaliação geralmente ocorreu em torno de um ano após o início da gagueira. As crianças foram reavaliadas a cada seis meses nos primeiros dois anos, anualmente nos dois anos seguintes e ainda houve uma avaliação final de cinco a oito anos depois. A avaliação da fala foi composta de dados objetivos (percentual de sílabas gaguejadas) e subjetivos (gravidade da gagueira em uma escala de 0 a 7).

A gagueira foi considerada como recuperada se a avaliação subjetiva da gravidade fosse igual ou menor a 1, se houvesse menos de 3% de sílabas gaguejadas na fala e se a fala permanecesse assim por pelo menos um ano. A gagueira foi considerada persistente se a criança continuasse gaguejando por quatro anos ou mais.

Foram enviados questionários específicos sobre amamentação para 145 mães de crianças que haviam passado pela clínica-escola. Ao todo, foram considerados válidos 47 questionários respondidos: 17 relativos a crianças com gagueira persistente (13 meninos e 4 meninas) e 30 relativos a crianças com gagueira recuperada (22 meninos e 8 meninas).

A duração da amamentação variou entre zero (caso de seis crianças que sempre foram amamentadas com leite em pó) até 30 meses, sendo a média de oito meses.

O tempo de amamentação foi classificado como curto (menos de 3 meses), médio (de 3 a 12 meses) ou longo (mais de 12 meses). Os resultados indicaram (veja a Figura 1 do artigo):

  • No grupo amamentado por menos de três meses, houve 60% de crianças com gagueira persistente.
  • No grupo amamentado entre três e doze meses, houve 32% de crianças com gagueira persistente.
  • No grupo amamentado por mais de doze meses, houve 22% de crianças com gagueira persistente.

Ou seja, crianças amamentadas por mais de um ano apresentaram cinco vezes menos chance de desenvolver gagueira persistente em comparação a crianças amamentadas por até três meses.

As autoras do estudo cogitaram a possibilidade de que crianças com tendência à gagueira persistente tenham apresentado maiores dificuldades motoras orais e, por isso, recusado a amamentação natural. Dificuldades para coordenar a sucção, a deglutição e a respiração levam ao pouco ganho de peso e, geralmente, à introdução da amamentação artificial. Apenas duas crianças (14%) do grupo com gagueira persistente apresentou dificuldades significativas com os atos motores orais da amamentação, ao passo que sete crianças (26%) do grupo com gagueira passageira apresentou as mesmas dificuldades. Então, as autoras excluíram a possibilidade de que foram dificuldades motoras orais que levaram à interrupção da amamentação natural. Outros fatores (como prematuridade e grau de escolaridade da mãe) também foram excluídos como possíveis explicações para a interrupção da amamentação natural.

Assim, a hipótese do estudo foi comprovada: a tendência à gagueira persistente diminui conforme aumenta o tempo de amamentação natural. O exato mecanismo de proteção (estrutura neuronal, transcrição gênica ou outro) ainda não está estabelecido. Desta forma, a amamentação natural pode ser vista como um fator de prevenção à gagueira persistente. Esta proteção pode ser particularmente importante para famílias com tendência hereditária à gagueira.

 

Maiores informações:
A importância dos ácidos graxos poliinsaturados de cadeia longa na gestação e lactação