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Gagueira e ferro não-heme (II)

Um estudo pioneiro, que utilizou ultrassom transcraniano, demonstrou aumento no tamanho da substância negra em um grupo de adultos com gagueira em comparação a um grupo de adultos sem gagueira.

A equipe do neurocientista alemão Martin Sommer publicou recentemente um estudo pioneiro [1], que utilizou ultrassom transcraniano para medir o tamanho e a ecogenicidade da substância negra. Os resultados possibilitaram inferir que havia acúmulo de ferro na substância negra dos adultos com gagueira que participaram do estudo.

O estudo avaliou 10 adultos com gagueira e 10 adultos sem gagueira (sendo 7 homens e 3 mulheres em cada grupo, com idade média de aproximadamente 25 anos). Foram excluídos participantes que estavam fazendo suplementação de ferro, que faziam abuso/dependência de álcool e drogas ou que apresentavam doenças neurológicas.

A gagueira foi avaliada de forma objetiva, sendo que a gravidade foi assim classificada: 1 leve, 3 moderados, 3 severos e 3 muito severos.

Além da análise da fluência, os participantes também foram avaliados em relação ao comportamento motor geral. Foi avaliado o número máximo de batidas de dedos em 20 segundos (utilizando um contador acoplado ao polegar) e a extensão e número de passos (utilizando uma esteira).

Para coleta das imagens encefálicas, foi utilizado aparelho de ultrassom com faixa de frequência entre 1,5 e 3,5 MHz, intensidade sonora entre 45 e 50 dB e alcance entre 14 e 16 cm. A sonda foi posicionada no osso temporal. A análise das imagens foi feita em dois momentos distintos. Primeiro, foi localizado o nível do III ventrículo, quando se analisou o III ventrículo, os ventrículos laterais e as raízes dos nervos cranianos. Em seguida, foi localizado o mesencéfalo, onde está localizada a substância negra.

Os resultados indicaram que a substância negra apresentou maior área nos adultos com gagueira em comparação aos sem gagueira. O tamanho e a ecogenicidade da substância negra são, em grande parte, determinados pelo acúmulo de ferro. Assim, a substância negra deste grupo de adultos com gagueira, por apresentar maior quantidade de ferro, refletiu mais o ultrassom e gerou imagens mais escuras em comparação à substância negra dos adultos sem gagueira. Segundo os autores, este achado é o oposto do que ocorre em pessoas com síndrome de pernas inquietas, nas quais há menor concentração de ferro na substância negra.

Não houve correlação entre a gravidade da gagueira e a área da substância, ou seja, os participantes com gagueira mais grave não foram aqueles com maior área de substância negra. Este achado sugere que o acúmulo de ferro na substância negra pode ser um biomarcador de gagueira (ou, mais indiretamente, de distúrbios de movimento).

No teste de coordenação manual, os adultos com gagueira produziram um menor número de batida de dedos. No teste do andar, os adultos com gagueira deram passos mais curtos, enquanto os adultos sem gagueira deram passos mais longos (não explicado por diferenças de altura corporal entre os grupos). Estes resultados indicam que há diferenças no comportamento motor em pessoas com gagueira, compatível com alteração das vias dopaminérgicas, relacionadas à substância negra.

Se estudos futuros confirmarem os achados deste estudo pioneiro, inclusive em crianças, a ultrassonografia da substância negra pode se tornar um exame clinicamente útil para pessoas com gagueira.

 

Referência

[1] Liman, J., Wolff von Gudenberg, A., Baehr, M., Paulus, W., Neef, N. E., & Sommer, M. (2021). Enlarged area of mesencephalic iron deposits in adults who stutter. Frontiers in Human Neurosciemce, doi: 10.3389/fnhum.2021.639269.