Gagueira e inspiração

out 21, 2013 | por Sandra Merlo | Fisiologia, Gagueira, Respiração

Pessoas com gagueira inspiram menores volumes de ar durante a fala, além de apresentarem ativação excessiva do centro respiratório do tronco encefálico na respiração falada.

A partir de agora, será abordada a respiração na gagueira. Neste texto especificamente, o enfoque é para a fase inspiratória da respiração.

 

Dinâmica respiratória na gagueira

A fisioterapeuta Sharon Johnston & colaboradores publicaram um artigo sobre a dinâmica respiratória na gagueira. Oito adultos (metade com e metade sem gagueira) participaram do estudo. Nenhum era fumante. A fala foi avaliada através de leitura em voz alta e de conversação.

Para avaliar a dinâmica respiratória, foram realizados dois procedimentos:

  • Cintas com magnetômetros foram posicionadas no tórax e no abdômen para monitorar a movimentação respiratória.
  • Cateteres com balões foram inseridos no esôfago e no estômago para monitorar as pressões internas desses órgãos. A pressão esofágica foi tida como índice da pressão pleural, enquanto a pressão gástrica foi tida como índice da pressão abdominal. A pressão diafragmática foi calculada como sendo a subtração da pressão gástrica pela pressão esofágica. A pressão esofágica também foi tida como índice da pressão subglótica.

Ao todo, foram analisados 250 ciclos respiratórios.

Apenas os resultados referentes à fala espontânea (conversação) serão relatados.

 

Volumes inspirados e expirados

O volume médio inspirado em cada ciclo respiratório esteve entre 15 e 20% da capacidade vital para os sujeitos sem gagueira. Os valores estiveram concentrados entre 10 e 25% da capacidade vital. O histograma apresentou distribuição gaussiana.

Para os sujeitos com gagueira a situação foi diferente. O volume médio inspirado em cada ciclo respiratório esteve entre 10 e 15%. Os valores estiveram concentrados entre 5 e 25% da capacidade vital. Além disso, houve valores elevados (por exemplo, inspirações de até 45% da capacidade vital). O histograma apresentou distribuição log-normal, ou seja, aglomeração de valores no início, mas com longa cauda à direita.

Assim, durante a fala espontânea, as inspirações feitas pelas pessoas com gagueira foram geralmente menos profundas em relação àquelas feitas pelas pessoas sem gagueira, mas também houve inspirações muito profundas em alguns momentos.

Especificamente em relação aos sujeitos com gagueira, dois deles falaram quase sem entrar no volume de reserva expiratório, ou seja, com expirações que terminaram acima deste volume. Por outro lado, os outros dois sujeitos falaram quase todo o tempo dentro do volume de reserva expiratório, ou seja, com inspirações que já começaram abaixo deste volume.

 

Movimentação torácica e abdominal

Nos sujeitos sem gagueira, as inspirações faladas sempre foram feitas com os intercostais e nunca com o diafragma. Apenas um dos sujeitos com gagueira fez o mesmo. Os outros três sujeitos com gagueira utilizaram tanto os intercostais, quanto o diafragma para fazer as inspirações faladas.

Nos sujeitos sem gagueira, as expirações faladas geralmente foram feitas com contração dos intercostais. Apenas um sujeito apresentou padrão misto (contração torácica e abdominal). Foi observado o oposto em sujeitos com gagueira: geralmente foi feita contração da musculatura abdominal.

 

Pressão subglótica

Os sujeitos sem gagueira apresentaram pressão subglótica média de 5,5 cm H20. Os sujeitos com gagueira, por outro lado, apresentaram pressão subglótica bem menor: de 2,4 cm H20. Esta diferença é estatisticamente significativa.

Embora a amostra tenha sido pequena, os resultados do estudo indicam que pessoas que gaguejam fazem inspirações mais superficiais em relação às que não gaguejam, mesmo durante a fala fluente. As diferenças de volumes inspirados podem estar relacionadas com a musculatura recrutada para realizar as inspirações: padrão único (intercostais) para pessoas sem gagueira e padrão misto (intercostais e diafragma) para pessoas com gagueira. Os intercostais cobrem 75% da área pulmonar, enquanto o diafragma cobre apenas 25% da área. Assim, a inspiração com os intercostais tende a ser muito mais efetiva. Com menor volume inspirado e com o controle expiratório sendo predominantemente executado pela musculatura abdominal, a pressão subglótica (fundamental para a fonação) é reduzida. Desta forma, é esperado que haja rupturas na produção, porque não é possível produzir voz sem a pressão subglótica adequada.

 

Controle inspiratório na gagueira

As fonoaudiólogas Margaret Denny & Anne Smith publicaram um artigo sobre o controle da inspiração em pessoas com e sem gagueira.

Um dos problemas na gagueira estaria no controle cortical da respiração falada. Conforme foi abordado nos textos anteriores, existem muitas diferenças entre a respiração com e sem fala. Devido a essas diferenças, acredita-se que a respiração falada seja controlada pelo centro respiratório do tronco encefálico, mas também por regiões filogeneticamente mais recentes, como o córtex cerebral. Neste sentido, áreas corticais exerceriam forte controle sobre o centro respiratório durante a fala, para que as ocorrências de inspiração e expiração se adequassem à produção falada.

Estudos experimentais com animais indicaram a existência de oscilações de alta frequência durante a inspiração. Essas oscilações são sinais gerados pelo centro respiratório do tronco encefálico especificamente durante a fase de inspiração do ciclo respiratório. As oscilações são transmitidas aos nervos conectados ao centro respiratório e chegam até a musculatura inspiratória: por exemplo, chegam ao nervo frênico (que supre o diafragma), ao hipoglosso (que supre a língua) e ao vago (que supre a laringe). Na musculatura, essas oscilações se realizam como tremores musculares, com frequência entre 60 e 110 Hz (a mesma frequência de origem no centro respiratório).

As oscilações respiratórias de alta frequência são mais presentes quando são detectadas elevadas concentrações de gás carbônico no sangue. Este não é o caso da fala, que é caracterizada pela hiperventilação, isto é, elevada concentração de oxigênio e baixa concentração de gás carbônico. Assim, as oscilações respiratórias de alta frequência não são esperadas durante a leitura em voz alta ou durante a fala espontânea.

Participaram do estudo 10 adultos com e 10 adultos sem gagueira, pareados por sexo, idade e escolaridade. Os sujeitos realizaram duas tarefas:

  • Inspiração profunda sem fala.
  • Leitura em voz alta de 80 frases. As frases eram longas para que eliciassem inspirações mais profundas. As inspirações eram permitidas somente entre cada frase.

Foi utilizada eletromiografia de superfície para registrar a atividade da musculatura inspiratória: eletrodos foram posicionados na pele da caixa torácica (lados direito e esquerdo). Os movimentos respiratórios também foram analisados com pletismografia: as bandas elásticas com os sensores foram posicionadas na caixa torácica e no abdômen.

Os resultados indicaram que, para os sujeitos sem gagueira, houve redução significativa nas oscilações de alta frequência na situação de inspiração com fala comparada à situação de inspiração sem fala. Ou seja, a quantidade de tremores musculares na faixa de 60 a 110 Hz reduziu quando foi necessário inspirar para falar.

Para os sujeitos com gagueira, entretanto, não houve diferença nas oscilações de alta frequência nas duas situações inspiratórias. Ou seja, em pessoas que gaguejam, os tremores musculares na faixa de 60 a 110 Hz continuaram presentes nas inspirações que precediam a fala.

Na amostra avaliada (apenas 10 sujeitos com gagueira), não foi encontrada correlação significativa entre o grau de oscilações de alta frequência e a gravidade da gagueira. Assim, não foi possível afirmar que, quanto maior a quantidade de tremores na musculatura inspiratória, maior a gravidade da gagueira.

Portanto, o centro respiratório do tronco encefálico permanece excessivamente ativo durante a inspiração falada em pessoas que gaguejam. Uma possibilidade para explicar este fato é que o controle cortical sobre o centro respiratório esteja reduzido em pessoas que gaguejam.