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Gagueira e tensão muscular (III)

O excesso de tensão na musculatura do pescoço pode piorar a fala de pessoas com gagueira.

Sigo discutindo estratégias terapêuticas de equilíbrio da tensão muscular que agem sobre os órgãos fonoarticulatórios.

 

Alongamentos estáticos da musculatura cervical

Alguns músculos da coluna cervical estão diretamente relacionados à fala [1]:

  • Os músculos laríngeos são responsáveis pela fonação.
  • Os músculos supra-hioideos auxiliam no abaixamento da mandíbula e na elevação do hioide.
  • Outros músculos estão relacionados à inspiração: os infra-hioideos elevam o esterno, os escalenos elevam a primeira e a segunda costelas e o esternocleidomastoideo auxilia na elevação do tórax.

Os outros músculos cervicais não são tradicionalmente relacionados à produção de fala (platisma, trapézio, vertebrais anteriores, esplênios, semiespinhais, longuíssimos, etc.).

Em termos funcionais, a musculatura cervical pode ser dividida em extensores profundos, flexores profundos e músculos de ligação.

  • Os extensores profundos do dorso sustentam toda a coluna vertebral, sendo cruciais para a manutenção da postura ereta do corpo. Em relação ao crânio, esses músculos são responsáveis pela estabilização posterior da coluna cervical. Mas também auxiliam na flexão lateral e na rotação da cabeça.
  • Os flexores profundos do pescoço contrapõem-se aos extensores profundos, sendo responsáveis pela estabilização anterior da coluna cervical. Também auxiliam na rotação da cabeça.
  • Os músculos de ligação são músculos mais superficiais, responsáveis por unir a coluna cervical à cintura escapular. Ao contrário dos extensores e dos flexores profundos, a principal função dos músculos de ligação não é estabilizar a coluna, mas dar mobilidade a ela.

 

Tensão cervical e sintomas de fala

Um estudo recente avaliou os padrões posturais em pessoas com distúrbios crônicos de voz. Dos 26 pacientes avaliados, a maioria apresentou hiperextensão de cabeça (hiperlordose cervical), ocasionada pelo excessivo tensionamento e encurtamento dos músculos extensores profundos. Daí decorrem duas compensações. A primeira é que os flexores profundos ficam excessivamente alongados e relaxados. A segunda é que os músculos mais superficiais assumem as funções dos flexores profundos, a fim de estabilizar melhor a cabeça, tornando-se também excessivamente tensionados e encurtados.

Na hiperextensão de cabeça, ocorre a aproximação dos processos estiloide e mastoide do osso temporal em relação à coluna vertebral. Isso induz o encurtamento (e consequente tensionamento) dos músculos que se originam ou se inserem no processo estiloide (músculo estilo-hioideo) e no processo mastoide (ventre posterior do digástrico e esternocleidomastoideo). O encurtamento do músculo estilo-hioideo eleva o osso hioide, gerando o encurtamento dos demais músculos supra-hioideos (milo-hioideo e gênio-hioideo, ambos em íntimo contato com os músculos extrínsecos da língua).

Os autores concluíram que a hiperextensão de cabeça era um dos fatores que estavam na gênese dos distúrbios de voz, tendo em vista que o alongamento da musculatura e a correção da postura auxiliaram na melhora dos sintomas vocais.

 

Tensão cervical e mobilidade de língua

Outro estudo ajuda a compreender a influência da tensão cervical na mobilidade de língua. A disfonia por tensão muscular é um distúrbio de voz causado pelo excesso de tensão na musculatura laríngea e perilaríngea. O tratamento fonoaudiológico de manipulação laríngea é um dos métodos capazes de reduzir a tensão excessiva dessa musculatura. Entretanto, o tratamento não melhora apenas a voz, mas também a articulação.

Os autores compararam o espaço vocálico durante a leitura em voz alta no pré e no pós-tratamento fonoaudiológico para disfonia por tensão muscular. Mais de 100 mulheres participaram do estudo. As vogais medidas corresponderam às vogais altas e baixas do quadrilátero vocálico do inglês: [i, ӕ, ɑ, u]. Foram colhidos os valores do primeiro e do segundo formantes (F1 e F2) de cada vogal. Os resultados indicaram que houve redução significativa no F2 das vogais [ɑ, u]. Como houve modificação apenas de F2 e não de F1, pode-se concluir que o espaço intraoral foi ampliado na direção horizontal, mas não na vertical. Assim, a língua pôde se posicionar mais posteriormente para a articulação de [ɑ, u] no pós-tratamento.

O tensionamento e o encurtamento da musculatura laríngea e supra-hioidea na disfonia por tensão muscular ocasiona a elevação e a anteriorização do hioide. Consequentemente, o espaço intraoral é reduzido, ocasionando restrição dos movimentos da língua. Gradualmente, a musculatura da língua também sofre encurtamento e tensionamento. Articulatoriamente, os gestos se tornam menos diferenciados, o que diminui a precisão articulatória. Acusticamente, o espaço vocálico é reduzido.

Assim, o alto grau de acoplamento mecânico entre todos os músculos cervicais faz com que a hipertonia e o encurtamento de uns interfira em outros. Por isso se fala em “cadeias musculares”. Como visto, a tensão excessiva em músculos cervicais não diretamente relacionados à fala não fica confinada a esses músculos, interferindo também na atividade dos músculos de fala. Da mesma forma, a tensão excessiva em um subsistema de fala irá interferir em outros subsistemas.

Desconheço estudos similares com pessoas com gagueira. Mas, na minha prática clínica, vejo com frequência tensão cervical em pessoas que gaguejam. Considerando esses dados (pesquisa e clínica), penso que alongamentos estáticos dos músculos cervicais podem ser úteis no processo de redução da tensão em pacientes com gagueira. Esses alongamentos não irão, por si só, diminuir a ocorrência de gagueira, mas serão facilitadores da fluência. Com a musculatura cervical mais relaxada, a suavização dos gestos articulatórios durante a fala será favorecida.

 

Aplicação clínica

“Alongamento” é a capacidade do músculo de aumentar de comprimento, o que proporciona maior relaxamento muscular e maior flexibilidade ao movimento. De acordo com princípios fisiológicos, músculos mais encurtados são mais tensos em relação a músculos mais alongados. No alongamento estático, uma força constante é aplicada ao músculo até o ponto máximo de estiramento. Para que o alongamento de fato surta efeito, deve ser mantido por no mínimo 30 segundos.

A musculatura que deve ser alongada depende do quadro clínico do paciente. Os casos mais comuns de comorbidade associada à gagueira que vejo na minha prática clínica são a hiperextensão de cabeça, o desvio lateral de cabeça, inclinação lateral de cabeça e a distonia cervical.

  • Na hiperextensão de cabeça, a cabeça está mais estendida, com a nuca se aproximando mais do dorso e o mento mais elevado. Isso se deve à hipertrofia dos músculos extensores.
  • No desvio lateral, o mento não está alinhado com a laringe e a traqueia, mas desviado para um dos lados. Isso se deve à hipertrofia da musculatura do lado do desvio.
  • Na inclinação lateral de cabeça, a cabeça apresenta leve flexão lateral, aproximando-se de um dos ombros. Isso se deve à hipertrofia da musculatura do lado oposto ao desvio.
  • Na distonia cervical, as contrações musculares involuntárias podem posicionar a cabeça para frente (antecolo), para trás (retrocolo) ou para um dos lados (torcicolo). No antecolo, ocorre hipertrofia dos músculos extensores. No retrocolo, hipertrofia dos músculos flexores. No torcicolo, é necessário avaliar se há apenas desvio lateral (hipertrofia do mesmo lado) ou inclinação lateral (hipertrofia do lado oposto).

Após a realização dos alongamentos, a diferença no grau de tensão e na mobilidade muscular é imediata.

A realização dos alongamentos pelo menos uma vez por semana é suficiente para reduzir a tensão muscular. Com a prática repetitiva, os ganhos passam de temporários a permanentes.

Quando não há alteração postural, a realização dos alongamentos estáticos é suficiente para reduzir a tensão da musculatura cervical e facilitar a suavização da fala. Quando há alteração postural (cifose, lordose e/ou escoliose), é necessário tratamento complementar com reeducação postural global.

 

 

Referência

[1] STAUBESAND, J. (1990). Sobotta: atlas de anatomia humana. 19ª ed. Vol. 1 e 2. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan.