Quais são as dificuldades enfrentadas por adultos com gagueira durante consultas médicas? Hector Perez, um médico americano com gagueira, e mais dois colaboradores tentaram responder a esta pergunta [1].
Eles entrevistaram 16 adultos com gagueira, que frequentaram uma conferência da “National Stuttering Association” nos EUA. Todos os participantes tinham entre 18 e 75 anos e se identificavam como pessoas com gagueira. Foram organizadas conversas em grupo, que duraram de 45 a 60 minutos. O objetivo era compreender se a gagueira interferia nas consultas médicas – não apenas no momento da consulta em si, mas também para marcar a consulta e chegar ao consultório.
A maioria dos participantes (12 de 16) referiu que a gagueira não afetava ou afetava minimamente suas vidas. Além disso, a maioria dos participantes (12 de 16) referiu saúde excelente ou muito boa e ter realizado pelo menos uma consulta médica no último ano.
A seguir, os pontos mais importantes do estudo.
1) Desconforto para conversar com os funcionários do consultório e com os médicos
Telefonar para marcar a consulta médica foi relatado como um grande desconforto, principalmente quando a pessoa que gagueja enfrenta bloqueios mais longos e o funcionário responde com: “Alô? Alô? Alô?”. Além disso, a chegada no consultório também pode ser desafiadora, porque os funcionários geralmente estão atarefados e com pressa. Isso gera uma sensação de que é necessário falar rapidamente o nome e com que médico é a consulta.
Por outro lado, conversar com o médico em si foi visto como uma situação menos desconfortável, principalmente se for um médico de longa data do adulto que gagueja. Diversos participantes referiram que “leva um tempo” até que o médico se acostume com a fala gaguejada para que a interação ocorra de forma mais tranquila.
2) Evitação das interações por causa da gagueira
Alguns participantes relataram que, por causa do desconforto em relação à gagueira, já evitaram marcar consultas ou procurar atendimento médico. Isso é mais acentuado nos períodos em que a gagueira está pior. Uma participante em especial referiu que só vai ao médico “se for uma questão de vida ou morte”. Alguns participantes disseram que já saíram da consulta médica sem esclarecer dúvidas por medo de gaguejar, ou seja, saíram com dúvidas em relação à doença ou à forma correta de tomar a medicação.
3) Necessidade de uma terceira pessoa para as consultas
Com certa frequência, os participantes relataram contar com algum membro da família ou com uma secretária para telefonar e marcar as consultas. Uma participante relatou que as consultas médicas na infância e adolescência eram mais fáceis, porque sua mãe sempre estava presente e conversava com o médico.
4) Falar sobre gagueira com os médicos requer confiança e bom relacionamento
Alguns pacientes preferiam não falar sobre a gagueira com seu médico, mesmo quando ela causava consequências negativas na saúde, por não acreditar que ele conseguiria ajudar em alguma coisa. Eles imaginavam que a resposta do médico seria algo como: “Você precisa relaxar mais”, “Você precisa pensar mais sobre o que quer falar” ou “Nem percebo que você gagueja”. São comentários que não ajudam.
Outros participantes não falavam sobre gagueira com seu médico por não ter um bom relacionamento e se sentiram incomodados quando ele tocou no assunto. Um participante relatou que seu médico falou diretamente: “Percebo que você gagueja”. Como a gagueira era um assunto sensível para o paciente, a fala direta do médico causou incômodo. Outra participante relatou que o médico havia receitado um tranquilizante ao perceber que ela gaguejava e estava nervosa, o que ela considerou inapropriado.
Por outro lado, alguns participantes relataram que falar abertamente sobre a gagueira com seu médico fez a relação médico-paciente melhorar muito. Trazer o assunto à tona ajudou o médico a entender as oscilações no grau de fluência e o impacto que a gagueira pode ter na saúde de forma geral.
5) Conversar com assertividade com o médico requer aceitação da gagueira
Diversos participantes referiram que conversar com assertividade durante as consultas médicas exigiu a aceitação da gagueira. Ou seja, apenas quando eles conseguiram aceitar que a gagueira fazia parte de suas vidas, é que passaram a relatar e perguntar o que queriam durante as consultas médicas.
Um participante relatou que ele sabia que consultórios médicos são locais agitados e com muitas coisas acontecendo ao mesmo tempo. Mas que ele não permitia que a pressão de tempo do local o contaminasse na hora de falar: ele falava no seu próprio tempo. Outro participante frisou que, já que ir ao médico consumia metade do seu dia, ele com certeza iria relatar tudo o que estava sentindo e iria tirar todas as dúvidas necessárias (gaguejando ou não).
Como pode ser visto, o estudo mostra que são diversos os desafios encontrados por adultos com gagueira em consultas médicas. Lembrando que os participantes referiram que a gagueira tinha impacto mínimo em suas vidas. Para pessoas com gagueiras mais graves, as dificuldades nas consultas médicas são maiores.
Atualmente, com o uso disseminado do Whatsapp, marcar consultas e exames está mais fácil, porque pode ser feito sem ligações telefônicas. Mas continua sendo importante abordar as ligações telefônicas em fonoterapia para que o paciente não adote a evitação como forma permanente de lidar com esta situação comunicativa. Ainda, quando o fonoaudiólogo encaminha o paciente para alguma consulta médica, é importante fazer o encaminhamento por escrito para que as explicações sobre o motivo do encaminhamento não dependam totalmente do paciente, já que ele pode não conseguir explicar adequadamente ao médico (tanto devido à gagueira, quanto devido à compreensão técnica do assunto).
Referência
[1] Perez, H. R., Doig-Acuña, C., & Starrels, J. L. (2015). “Not unless it’s a life or death thing”: A qualitative study of the health care experiences of adults who stutter. Journal of General Internal Medicine, 30(11), 1639-1644.