Neste texto, vamos falar sobre as fibras musculares de dois músculos relacionados ao movimento labial: orbicular da boca e zigomático maior.
Movimento labial
O orbicular da boca é o músculo que forma os lábios e a região em torno deles (imagem aqui). Sobre ele, existe uma região de mucosa, que forma a parte mucosa dos lábios. Também existe sobre ele uma região de pele, logo acima e abaixo da parte mucosa, que forma a parte cutânea dos lábios. Este músculo é diretamente responsável pelo fechamento labial.
O músculo zigomático maior se origina no osso zigomático e se insere no ângulo da boca (imagem aqui). É responsável por tracionar o ângulo da boca para cima e para trás (por exemplo, no gesto de sorriso).
Tanto o orbicular da boca quanto o zigomático maior são músculos de grande importância para o movimento labial. Por isso, a fisioterapeuta Anne Burrows & colaboradores elegeram esses dois músculos para estudo. A intenção era comparar a anatomia microscópica desses dois músculos em seres humanos e em macacos Rhesus [1].
Os macacos Rhesus são parentes próximos dos seres humanos, têm tamanho médio (um adulto pesa cerca de 8 kg), hábitos diurnos, vivem em grupos e se comunicam com expressões faciais e vocalizações. Entretanto, as expressões faciais e as vocalizações dos macacos Rhesus não são tão variadas quanto as dos seres humanos.
A anatomia macroscópica não indica grandes diferenças na musculatura facial entre as diversas espécies de primatas. Entretanto, os seres humanos são capazes de uma grande variedade de movimentos faciais quando comparados aos outros primatas. Anne Burrows & colaboradores cogitaram a possibilidade de haver grandes diferenças na anatomia microscópica dessa musculatura. Eles analisaram o tipo e as características das fibras musculares do orbicular da boca e do zigomático maior em seres humanos e em macacos Rhesus. Para isso, foram retiradas amostras da região superior do orbicular da boca e da região medial do zigomático maior de três cadáveres humanos e de três cadáveres de Rhesus.
Os seres humanos apresentaram maior proporção de fibras musculares tipo I no orbicular da boca e no zigomático maior em relação aos macacos Rhesus. Este resultado contrariou uma das hipóteses dos autores do estudo, os quais não esperavam haver diferença na proporção de fibras tipo I entre seres humanos e macacos Rhesus. Arriscando uma interpretação, eu pensaria que esse dado sugere que tanto o orbicular da boca quanto o zigomático maior são músculos com maior atividade nos seres humanos em relação aos macacos Rhesus. Por isso a necessidade de haver maior número de fibras tipo I, mais resistentes à fadiga. Essa maior atividade muscular seria devido ao maior repertório de expressões faciais dos seres humanos e, claro, à atividade desses dois músculos durante a fala.
Não houve diferença significativa entre os seres humanos e os macacos Rhesus em relação às fibras musculares tipo II no orbicular da boca. Mas os seres humanos apresentaram menor número de fibras tipo II no zigomático maior em comparação com os macacos Rhesus. Esse resultado também contrariou uma das hipóteses dos autores do estudo, que esperavam maior proporção de fibras tipo II nos seres humanos. Novamente arriscando uma interpretação, eu pensaria que o menor número de fibras tipo II nos seres humanos indica que precisamos de fibras mais resistentes à fadiga na musculatura facial.
Os seres humanos geralmente apresentaram maior diâmetro de fibras musculares em relação aos macacos Rhesus. Isso é válido para o orbicular da boca (fibras tipo I e tipo II) e para o zigomático maior (fibras tipo II). Não houve diferença significativa para o diâmetro das fibras tipo I no zigomático maior. O diâmetro da fibra muscular se correlaciona diretamente com a força que a fibra é capaz de produzir. Assim, os resultados indicaram que os seres humanos apresentam fibras no orbicular da boca e no zigomático maior com maior capacidade de produzir força do que os macacos Rhesus.
Não houve diferença significativa no comprimento das fibras tipo I e tipo II no orbicular da boca entre seres humanos e macacos Rhesus. Entretanto, os seres humanos apresentaram maior comprimento de fibras tipo I e II no zigomático maior. A extensão da fibra muscular se correlaciona diretamente com a velocidade com que a fibra é capaz de contrair. No caso do orbicular da boca, a velocidade de contração das fibras tipo I é a mesma entre as duas espécies (o mesmo sendo válido para as fibras tipo II). Mas, no caso do zigomático maior, as fibras tipo I dos seres humanos contraem mais rapidamente em comparação às dos macacos Rhesus (o mesmo sendo válido para as fibras tipo II). Essa diferença pode estar relacionada à ação do zigomático maior nas expressões faciais dos seres humanos, particularmente no sorriso.
De forma geral, os resultados indicaram que há divergências histológicas evolutivas nos músculos orbicular da boca e no zigomático maior entre seres humanos e macacos Rhesus. A hipótese dos autores é que essas divergências evolutivas auxiliaram os seres humanos no desenvolvimento de um repertório maior de expressões faciais e também no desenvolvimento da fala. O padrão histológico diferente seria, portanto, um ganho evolutivo que propiciou maior controle da movimentação labial nos seres humanos.
Referência
[1] Burrows, A. M. et al. (2014). Of mice, monkeys, and men: Physiological and morphological evidence for evolutionary divergence of function in mimetic musculature. The Anatomical Record, 297 (7): 1250-1261.