Neste último texto da série, vamos falar sobre os músculos da laringe, que são os responsáveis pela produção da voz.
O fisiologista Joseph Hoh publicou um artigo de revisão sobre as fibras musculares da laringe [1]. Ele analisou fibras laríngeas de diversas espécies, mas vamos nos ater apenas às fibras da espécie humana.
Em mamíferos, há cinco músculos intrínsecos da laringe [1]. Por “músculo intrínseco”, entendem-se músculos que têm sua origem e sua inserção na própria laringe. Vamos a eles [1, 2]:
1) O músculo tireoaritenoideo tem origem na face interna da cartilagem tireoide e inserção no processo muscular da cartilagem aritenoide. É este músculo que forma as pregas vocais em si. Apresenta duas porções: a medial (também chamada de músculo vocal) e a lateral. Sua contração encurta as pregas vocais, o que aumenta a massa de vibração e diminui a frequência fundamental da voz. Sua contração também aproxima as pregas vocais na parte membranosa, próxima à cartilagem tireoide. Veja aqui uma animação referente a este músculo.
2) O músculo cricotireoideo tem origem na face externa da cartilagem cricoide e inserção no corno inferior da cartilagem tireoidea. Possui duas partes: a reta (mais superficial) e a oblíqua (mais profunda). Sua contração puxa a cartilagem tireoide para baixo e para frente, o que alonga as pregas vocais. O alongamento das pregas vocais diminui a massa de vibração, aumentando a frequência fundamental da voz. É o músculo tensor mais importante da laringe. Veja aqui uma animação referente a este músculo.
3) O músculo cricoaritenoideo lateral tem origem no arco da cartilagem cricoide e inserção no processo muscular da cartilagem aritenoide. Sua contração alonga as pregas vocais, aumentando a frequência fundamental. Sua contração também movimenta as cartilagens aritenoides para dentro da glote, o que aproxima as pregas vocais. Veja aqui uma animação referente a este músculo.
4) O músculo interaritenoideo tem origem e inserção nas cartilagens aritenoides. Possui duas partes: a transversa (mais profunda) e a oblíqua (mais superficial). Sua contração aproxima as cartilagens aritenoides, provocando encurtamento das pregas vocais e diminuindo a frequência da voz. É o músculo adutor mais importante da laringe. Veja aqui uma animação referente a este músculo.
5) O músculo cricoaritenoideo posterior tem origem na parte posterior da cartilagem cricoide e inserção no processo muscular da cartilagem aritenoide. Possui três partes: horizontal, oblíqua e vertical. Sua contração provoca rotação das cartilagens aritenoideas, o que afasta as pregas vocais. É o músculo abdutor mais importante da laringe. Sua contração também provoca alongamento das pregas vocais. Veja aqui uma animação referente a este músculo.
Os músculos da laringe evoluíram para desempenhar as funções de proteção da via aérea, respiração e fonação [1].
Na função de proteção, a estimulação da mucosa das vias aéreas superiores dispara os reflexos de tosse ou espirro, os quais envolvem aduções e abduções sucessivas e rápidas da glote. O fluxo de ar em alta velocidade limpa a via aérea. Em algumas espécies (a humana inclusive), a glote se fecha para a deglutição para proteger a traqueia.
Na função de respiração, o músculo cricoaritenoideo posterior contrai e abre a glote. A abertura da glote reduz a demanda de força sobre os músculos intercostais do tronco. Na expiração, os músculos adutores contraem, produzindo leves interrupções no fluxo expiratório. O controle da função respiratória da laringe varia conforme a situação:
- A parte horizontal do cricoaritenoideo posterior contrai durante a inspiração de repouso, enquanto a parte oblíqua contrai na inspiração rápida.
- A atividade do tireoaritenoideo é mínima na respiração de repouso, mas é grande quando a respiração é estimulada por hipercapnia (isto é, aumento de gás carbônico no sangue arterial).
- A contração do cricotireoideo na inspiração profunda aumenta o diâmetro anteroposterior da laringe, o que aumenta o tamanho da via aérea.
A função fonatória é filogeneticamente mais recente e exige controle muscular ainda maior. A frequência e a intensidade da voz são controladas por variações na massa de vibração, na tensão das pregas vocais e na pressão subglótica. Alguns exemplos:
- A parte vertical do músculo cricoaritenoideo posterior estabiliza o processo vocal das cartilagens aritenoideas durante a fonação.
- A adução das pregas vocais é necessária para aumentar a pressão subglótica para a produção de voz. Entretanto, cada fone necessita de uma pressão subglótica específica para ser produzido. Levando em consideração que a duração média de um fone é de 100 ms, a cada 100 ms são necessários ajustes na contração dos músculos laríngeos a fim de satisfazer essas necessidades de produção.
- Diferentes graus de tensão das pregas vocais são necessários para a produção de cada fone vozeado. Por exemplo, cada vogal apresenta uma frequência fundamental específica, o que exige constantes modificações no grau de alongamento das pregas vocais.
Fibras musculares
Três dos cinco músculos laríngeos humanos já foram estudados quanto ao tipo de fibras musculares: tireoaritenóideo, cricotireoideo e cricoaritenóideo posterior. Seguem os resultados da revisão [1]:
Fibras Ib |
Fibras IIa |
Fibras IIx |
Fibras IIb |
|
M. tireoaritenoideo |
15-30% |
50% |
20-40% |
0% |
M. cricotireoideo |
35% |
60% |
4% |
0% |
M. cricoaritenoideo posterior |
35-55% |
40-55% |
10% |
0% |
O músculo de contração mais lenta e que mais resiste à fadiga é o cricotireoideo posterior. A alta incidência de fibras lentas deve estar relacionada à função inspiratória deste músculo, porque ele é recrutado continuamente. Este músculo recebe impulsos nervosos em cada inspiração: os impulsos tônicos, de baixa frequência, fornecem os estímulos necessários para a manutenção das fibras lentas do músculo.
O músculo de contração rápida e resistência intermediária à fadiga é o cricotireoideo.
O músculo de contração mais rápida e que menos resiste à fadiga é o tireoaritenoideo.
Os três músculos estudados apresentam muitas fibras tipo IIa (praticamente a metade delas). A necessidade de contrações rápidas com consequente geração de maior força pode estar relacionada à função de proteção das vias aéreas através disparo do reflexo de tosse, que precisa ser rápido e forte, mas que é breve [1].
Nenhum desses músculos apresentam fibras tipo IIb [1], sugerindo que nenhum músculo laríngeo humano precisa contrair tão rapidamente, produzir tanta força e resistir tão pouco à fadiga. As fibras tipo IIb costumam estar presentes em mamíferos de menor tamanho (como rato e cachorro) [1].
Os músculos laríngeos apresentam grande quantidade de fibras híbridas, ou seja, fibras musculares com mais de um tipo de cadeia pesada de miosina. Por exemplo, 40% das fibras do cricoaritenoideo posterior são híbridas [1]. As três diferentes funções desempenhadas pela laringe são as responsáveis pela necessidade de fibras híbridas [1]. Como cada função tem a sua especificidade e necessita de um determinado padrão de fibras musculares, os músculos laríngeos precisam exibir todos esses padrões musculares para conseguir desempenhar as três funções.
A presença de fibras híbridas é o que mais diferencia os músculos da fala dos músculos dos membros e do tronco [1]. Os músculos da fala não são utilizados apenas para a fala. São utilizados também e principalmente para funções vitais como respiração, mastigação e deglutição. A função de fala, sendo filogeneticamente mais recente, impõe mais requisitos funcionais para esta musculatura. Para dar conta de todas essas funções, a musculatura de fala precisa de fibras híbridas de forma permanente. Nos músculos dos membros e do tronco, as fibras híbridas são intermediárias e não permanentes.
Entretanto, os músculos de fala, assim como os dos membros e do tronco, são igualmente suscetíveis ao controle neural (ou seja, o tipo de impulso nervoso determina o tipo de fibra muscular) e ao controle hormonal (ou seja, os hormônios afetam o tipo de fibra muscular) [1].
Referências
[1] Hoh, J. F. Y. (2005). Laryngeal muscle fibre types. Acta Physiologica Scandinavica, 183 (2): 133-149.
[2] Staubesand, J. (1988). Sobotta: atlas de anatomia humana (p. 177). 19ª ed. Vol 1: cabeça, pescoço, membros superiores, pele. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan.