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Respiração e fala

Estudos mostram que a dinâmica respiratória durante a fala é muito distinta da dinâmica respiratória de repouso.

A fonoaudióloga Alison Winkworth & colaboradores publicaram um artigo sobre a dinâmica respiratória durante a leitura em voz alta e outro sobre a dinâmica respiratória durante a fala semiespontânea. Esses estudos são referências na área.

Seis mulheres jovens (entre 19 e 22 anos) participaram dos estudos. Elas não apresentavam distúrbios de audição, fala ou respiração. Nenhuma era fumante. Cada uma fez de 7 a 10 sessões de leitura em voz alta e de fala semiespontânea ao longo de três semanas. No experimento de leitura, elas leram dois parágrafos em cada sessão: um parágrafo era sempre o mesmo, enquanto o outro era sempre diferente. No experimento de fala semiespontânea, elas produziram um monólogo sobre um tema familiar e também participaram de uma conversação com um dos pesquisadores.

Foram realizadas diversas avaliações concomitantemente:

  • Gravação de fala.
  • Captura do nível de pressão sonora da fala.
  • Pletismografia respiratória. As bandas elásticas com os sensores foram posicionadas na caixa torácica e no abdômen. Os dados fornecidos pelos sensores indicaram mudanças nos volumes pulmonares.

Importante ressaltar a posição dos sujeitos durante o experimento: não estavam em posição ereta ou supina, mas inclinados. Este dado é relevante, porque a dinâmica respiratória se modifica de acordo com a posição corporal (ver segundo texto desta série).

As variáveis analisados foram as seguintes:

  1. Capacidade vital: a capacidade máxima de ar que os pulmões podem inspirar e expirar em situação de esforço respiratório.
  2. Volume de repouso: a quantidade de ar que os pulmões inspiram e expiram em situação de repouso, sem esforço respiratório.
  3. Nível expiratório de repouso: quantidade de ar que permanece nos pulmões após expiração de repouso e na ausência de fala (não é o mesmo que volume residual).
  4. Volume pulmonar inicial: volume imediatamente anterior a um enunciado de fala.
  5. Volume pulmonar final: volume imediatamente posterior a um enunciado de fala.
  6. Volume inspirado: volume inspirado imediatamente anterior a um enunciado de fala.
  7. Volume expirado: volume expirado durante um enunciado de fala.
  8. Frequência respiratória: número de inspirações e expirações em um minuto.
  9. Extensão do enunciado: duração de um enunciado em uma mesma expiração.

 

Respiração de repouso

A capacidade vital dos sujeitos variou entre 3 e 4 litros. Essa capacidade é considerada normal em mulheres jovens.

O nível expiratório de repouso variou entre 30 e 40% da capacidade vital. Ou seja, após uma expiração de repouso, ainda permaneciam nos pulmões de 0,9 a 1,6 l de ar.

Esses valores foram praticamente invariantes, ou seja, não se modificaram entre as sessões e nem antes e depois das leituras.

 

Dinâmica pulmonar durante a leitura e a fala

Ao todo, foram analisados 912 ciclos respiratórios durante a leitura e 2.808 ciclos respiratórios durante a fala. Como os resultados de leitura e de fala foram muito similares, geralmente serão apresentados em conjunto.

O quanto de capacidade vital foi utilizado nas inspirações? A média foi de aproximadamente 50% (1,5-2 l). Entretanto, os valores de mínimo e de máximo do volume pulmonar inicial foram muito amplos: entre 20 e 85%.

Qual o volume gasoso inspirado antes da produção dos enunciados lidos ou falados? A média foi de 12% (360-480 ml). As variações também foram amplas: entre 2 e 40%.

Essas variações foram marcantes, porque dependeram de diversos fatores. Dependeram da quantidade de ar que permaneceu nos pulmões após a última expiração e das características do enunciado que foi produzido a seguir (duração, por exemplo).

O quanto de capacidade vital permaneceu nos pulmões após as expirações? A média foi de 35% (1,05-1,4 l). Entretanto, os valores de mínimo e de máximo do volume pulmonar final também foram muito significativos: entre 15 e 65%.

Qual o volume gasoso expirado durante a produção dos enunciados lidos ou falados? A média foi de 13% (390-520 ml). As variações também foram amplas: entre 1 e 50%.

Novamente, essas variações dependeram do volume pulmonar inicial e das características do enunciado que foi produzido a seguir.

Praticamente todas as expirações faladas durante a leitura (99%) e durante a fala (98%) foram iniciadas acima do nível expiratório de repouso. Embora os autores dos artigos não tenham discutido, provavelmente os enunciados produzidos com o nível expiratório de repouso foram muito breves; caso contrário, os sujeitos teriam realizado inspirações mais substanciais.

Metade das expirações durante a leitura e 60% das expirações durante a fala terminaram abaixo do nível expiratório de repouso. Como será visto a seguir, essas expirações geralmente foram mais longas e utilizaram um padrão de movimentação sequencial (primeiro, retração da caixa torácica e, depois, retração do abdômen).

 

Respiração e linguagem

Na leitura, os volumes pulmonares não diferiram entre o parágrafo conhecido e os parágrafos novos. Na fala, os volumes pulmonares também não diferiram entre os gêneros textuais (monólogo ou diálogo).

Em geral, quanto tempo durou cada expiração? A média de duração dos enunciados foi de 3,5 s na leitura (variando entre 0,5 e 10 s) e de 4 s na fala (variando entre 0,3 e 13 s). Expirações mais longas do que a média foram associadas não apenas a maiores volumes expirados, mas também a maiores volumes inspirados. Ou seja, houve coordenação entre planejamento linguístico e respiração. Esta é uma das evidências que indicam que o controle neurológico da respiração falada não é exatamente igual ao da respiração fisiológica.

Embora os volumes pulmonares tenham variado bastante, a localização sintática das inspirações na leitura foi bastante consistente:

  • 98% dos parágrafos foram antecedidos por inspiração.
  • 75% das sentenças foram antecedidas por inspiração.
  • 20% das orações e dos sintagmas foram antecedidos por inspiração.
  • 3% das inspirações ocorreram no interior de sintagmas.

É explícito que, conforme a hierarquia sintática diminui, diminuem também as inspirações. No sinal acústico, as inspirações ocorrem durante as pausas (geralmente essas pausas são silenciosas, mas, em alguns exemplares, é possível ouvir o ruído inspiratório). Estes e outros estudos demonstraram que os falantes não pausam para inspirar, mas, ao invés disso, aproveitam os momentos de pausa para inspirar. A ocorrência das inspirações durante as pausas dependeu de um número mínimo de palavras desde a inspiração anterior. É por isso que a ocorrência das inspirações decresce conforme a hierarquia sintática decresce (o número de palavras em um sintagma, por exemplo, tende a ser menor do que em uma oração).

Os conceitos de “parágrafos” e “sentenças” são exclusivos da língua escrita e não existem na língua falada. Por isso, os textos falados foram segmentados apenas em orações e sintagmas. A localização sintática das inspirações também foi bastante consistente:

  • 63% das inspirações precederam orações. As inspirações não ocorreram a cada oração, mas, em média, a cada três orações. Entretanto, a variação intrassujeito oscilou entre 10 e 60%.
  • 13% das inspirações precederam sintagmas.
  • 24% das inspirações ocorreram no interior de sintagmas. Este dado é diferente em comparação à leitura. É consequência do fato de o falante ter que planejar o texto praticamente ao mesmo tempo em que o enuncia, o que o obriga, em alguns momentos, a ter que interromper um sintagma já iniciado para encontrar a opção linguística mais adequada à produção.

Os volumes pulmonares (inspirados e expirados) e a intensidade da fala foram maiores em fronteiras linguísticas mais altas (sentenças > orações e sintagmas > interior de sintagmas). Diversos estudos já demonstraram que, quanto mais alta a fronteira linguística, mais longa é a pausa que a separa do trecho anterior. Assim, inspirações mais profundas ocorreram onde o tempo de pausa permitiu. O maior tempo de pausa e a maior intensidade vocal de determinadas fronteiras segmentam o texto de forma mais clara para o interlocutor.

Os volumes pulmonares diminuíram do início para o final da leitura: os volumes inicial e final do primeiro ciclo respiratório foram, em média, 8% maiores em relação aos volumes inicial e final do último ciclo respiratório. Esse achado indicou que também houve antecipação por parte dos sujeitos em relação à quantidade de ar necessária (maior no início do texto e menor no final). Os autores não informaram se o mesmo ocorreu na fala.

Em geral, qual a intensidade da voz nas expirações? A média foi de 70 dB (variando entre 60 e 80 dB). Falas com maior intensidade foram associadas a maiores volumes inspirados e expirados apenas na leitura (e apenas para dois dos seis sujeitos), mas não na fala espontânea. Durante os experimentos, os sujeitos falaram com sua intensidade vocal habitual. É possível que, nesta situação, a estratégia preferida pelos falantes para variar a intensidade vocal não seja o aumento de volume inspirado, mas a maior adução glótica.

Os volumes pulmonares de um mesmo sujeito não foram constantes ao longo das sessões: houve variação de 25%. Os volumes pulmonares também não foram similares entre os sujeitos: houve variação de 30%.

Por outro lado, a localização das inspirações intrassujeito no parágrafo sempre lido foi significativa: entre 80 e 100% de concordância. Também houve considerável consistência entre os sujeitos nas decisões relativas a onde inserir as inspirações nos diferentes textos novos lidos: entre 85 e 98%.

 

Movimentação torácica e abdominal

No estudo relativo à fala espontânea, os autores também avaliaram os padrões de movimentação torácica e abdominal. Havia quatro categorias possíveis:

  1. Inspiração e expiração torácica: cinco dos seis sujeitos apresentaram predominância deste padrão (de 70 a 100% dos ciclos respiratórios, dependendo do sujeito).
  2. Inspiração e expiração abdominal: apenas um dos sujeitos apresentou predominância deste padrão.
  3. Inspiração torácica e expiração abdominal: nenhum sujeito apresentou este padrão.
  4. Inspiração abdominal e expiração torácica: quatro dos seis sujeitos apresentaram ocorrências deste padrão (12% dos ciclos respiratórios).

Também foi observado que, para 20% de todos os ciclos respiratórios, houve um padrão sequencial: inspiração torácica → expiração torácica → expiração abdominal. As expirações com este padrão foram 1,5 s mais longas do que as expirações com contração única do tórax ou do abdômen.

 

Respiração e fluência

As hesitações (preenchedores, repetições e falsos inícios) durante a fala espontânea também foram analisadas. Em média, houve 5% de hesitações nos textos falados, com variação de 1 a 9% por texto. Alguns sujeitos inspiraram com maior frequência em fronteiras sintáticas do que outros. Esse padrão foi constante ao longo das sessões, ou seja, foi uma característica do sujeito e não da sessão. Os sujeitos que inspiraram com maior frequência em fronteiras sintáticas foram os que menos hesitaram.

Embora os autores não tenham discutido, também parece haver relação entre a duração da expiração e a ocorrência de hesitações. Em média, as expirações faladas apresentaram duração de 4 s. Utilizando esse valor como referência, os autores chamaram de “expirações breves” aquelas que duraram menos de 3 s e chamaram de “expirações longas” aquelas que duraram mais de 4 s. O sujeito que menos hesita (2,5% de hesitação, em média) é o que mais produz expirações breves (50%) e o que menos produz expirações longas (30%). O sujeito que mais hesita (6% de hesitação, em média) produz igual número de expirações breves e longas (40%).

Esses resultados sugerem que a fluência se correlaciona com padrões de pausa e, indiretamente, com padrões respiratórios.