Sono e respiração

maio 28, 2012 | por Sandra Merlo | Fisiologia, Gagueira, Sono

Problemas de respiração (como respirar pela boca ou roncar) afetam a qualidade do sono.

Gostaria de discutir a respeito do impacto dos problemas respiratórios do sono sobre as funções cerebrais e sobre o cérebro em si. Pretendo abordar duas questões:

  1. Pessoas que não dormem bem devido a problemas respiratórios apresentam pior desempenho em tarefas de fluência, memória, raciocínio e inteligência?
  2. Já foi de fato demonstrado que problemas respiratórios do sono podem causar dano cerebral?

Boa parte dos problemas do sono é causada por problemas respiratórios, tais como:

  • Respiração oral
  • Ronco
  • Rinites e sinusites
  • Desvio de septo nasal
  • Tamanho aumentado de adenoide e amígdalas
  • Síndrome de hipoventilação relacionada à obesidade
  • Apneia obstrutiva do sono
  • Asma

Pessoas que não conseguem respirar de forma satisfatória enquanto dormem, acordam diversas vezes durante a noite para tentar respirar melhor (tendo ou não consciência disso). Assim, o sono é prejudicado não apenas pelo problema de respiração, mas também pelos diversos despertares.

Os problemas respiratórios do sono reduzem a oferta de oxigênio para o cérebro. O cérebro é o órgão do corpo mais sensível à falta de oxigênio: quedas de 4 a 10% no nível de saturação do oxigênio arterial são suficientes para provocar falta de oxigênio no cérebro. Reduções repetidas do nível de oxigênio cerebral fazem com que o número de radicais livres aumente (devido a uma reação bioquímica específica que ocorre nas mitocôndrias dos neurônios). Radicais livres em excesso agridem e lesionam os neurônios.

A falta de oxigênio causa morte do neurônio se durar mais de 30 minutos. Quando dura menos do que isso (como no caso dos problemas respiratórios do sono), o neurônio pode ser reoxigenado. Por um lado, a reoxigenação evita a morte do neurônio, mas, por outro, causa lesão ao neurônio devido às diversas reações bioquímicas que liberam radicais livres.

Ou seja, tanto a falta de oxigênio, quanto a reoxigenação deflagram reações bioquímicas que liberam radicais livres, aumentando o estresse oxidativo dos neurônios.

A primeira consequência do estresse oxidativo, portanto, é a lesão de neurônios. A segunda consequência é que o funcionamento dos neurônios lesionados é comprometido. Uma das funções alteradas é a “potenciação de longo prazo”, relacionada com a aprendizagem. Não é à toa que crianças que apresentam problemas respiratórios durante o sono pontuam menos em testes de inteligência, memória e raciocínio, apresentam redução do vocabulário e da fluência verbal e queda no rendimento escolar quando comparadas com crianças que não apresentam problemas respiratórios (veja aqui e aqui). Essas diferenças de desempenho podem, inclusive, ser detectadas em crianças com apenas 5 anos de idade. Mas que tipo de problema respiratório pode causar tamanha diferença de desempenho? Apenas problemas mais sérios, como apneia obstrutiva do sono, certo? A apneia obstrutiva do sono certamente, mas distúrbios de respiração mais simples (como ronco e respiração ruidosa) também. E mais: crianças entre 6 e 16 anos com apneia obstrutiva do sono, além de apresentarem menor QI e pior desempenho em tarefas de memória e fluência, têm maior probabilidade de apresentarem danos no hipocampo (uma região cerebral relacionada à memória de longo prazo) e no córtex frontal (relacionado à linguagem e raciocínio). Esses prejuízos de desempenho não ocorrem apenas com crianças, mas também com adultos.

A conclusão é clara: distúrbios de respiração associados ao sono devem ser identificados e tratados o mais cedo possível. Só assim é possível prevenir ou, pelo menos, interromper os danos cerebrais. Quanto menores forem as agressões ao cérebro, menores serão os danos às funções intelectuais.

Pensando na gagueira, os danos cerebrais causados por problemas respiratórios do sono podem ser fatores de risco tanto para a piora, quanto para a manutenção da gagueira.