A voz é uma característica de dimorfismo sexual na espécie humana. O dimorfismo sexual é um conceito da Biologia que se refere às características sexuais secundárias que diferenciam indivíduos masculinos e femininos de muitas espécies. No caso dos animais, essas características decorrem dos hormônios circulantes na corrente sanguínea e do efeito que esses hormônios provocam nos diversos tecidos do organismo (para maiores informações, ver o texto “Gagueira e testosterona (I)“). Além da voz, existem outras características masculinas humanas de dimorfismo sexual, como face mais larga, ombros mais largos, quadril mais estreito e maior altura. Essas características costumam ser indicadores razoáveis de saúde, força física e capacidade reprodutiva.
A frequência fundamental da voz masculina apresenta faixa de variação significativamente mais baixa em comparação à voz feminina. Analisando a frequência fundamental da voz durante a produção sustentada da vogal [a] em 30 homens e 30 mulheres entre 18 e 45 anos, a fonoaudióloga Mara Behlau e colaboradores [1] relataram que a frequência fundamental média masculina é de 113 Hz, com desvio-padrão de 6 Hz, enquanto a frequência fundamental média feminina é de 205 Hz, com desvio-padrão de 5 Hz. Assumindo uma distribuição gaussiana dos dados, dois desvios-padrões acima e abaixo da média delimitam 95% da distribuição. Assim, o limite inferior da frequência fundamental masculina seria de 101 Hz e o limite superior, de 125 Hz. Da mesma forma, o limite inferior da frequência fundamental feminina seria de 195 Hz e o superior, de 215 Hz. Abaixo, três tons puros da frequência fundamental masculina (101 – 113 – 125 Hz) e três da frequência fundamental feminina (195 – 205 – 215 Hz).
Essas diferenças na frequência fundamental da voz são em boa parte causadas pelas diferenças musculares induzidas pelos hormônios sexuais. A alta concentração de andrógenos durante a puberdade masculina provoca aumento de 60% no comprimento das pregas vocais masculinas em relação às femininas. As pregas vocais masculinas apresentam 1,6 cm em média, enquanto as femininas apresentam 1 cm de comprimento. (Para maiores informações, ver o texto “Muda vocal e testosterona“).
A cientista da computação Valentina Cartei & colaboradores estudaram o efeito da frequência fundamental da voz masculina no grau de masculinidade percebido pelas mulheres [2]. Foram gravadas as vozes de 37 homens que se declararam heterossexuais, entre 20 e 25 anos, falantes nativos do inglês britânico. As gravações foram realizadas em cabine acústica, utilizando microfone condensador profissional. Os participantes leram palavras monossilábicas e também um texto em voz alta, além de produzir fala semiespontânea a partir de descrição de figura. A frequência fundamental da voz variou entre 82 e 128 Hz, com média de 112 Hz. Logo após as gravações, foram colhidas amostras de saliva, sempre entre 9 e 11h da manhã, para análise da concentração de testosterona. As concentrações variaram entre 87 e 253 pg/ml, com média de 154 pg/ml.
Os resultados indicaram que homens com níveis mais elevados de testosterona na saliva apresentaram frequência fundamental da voz mais baixa (correlação moderada entre estas duas variáveis).
Também foram selecionadas 20 mulheres que se declararam heterossexuais, entre 20 e 25 anos, falantes nativas do inglês britânico. Elas ouviram trechos selecionados das gravações produzidas por cada homem: as palavras monossilábicas lidas, uma frase do texto lido e uma frase (sempre a mesma) obtida da descrição de figura. As participantes ouviram as falas masculinas com headsets. No grupo relativo a cada tipo de fala (palavras, frase lida e frase falada), a ordem de apresentação dos estímulos foi aleatória. As ouvintes deveriam julgar o grau de masculinidade de cada estímulo, com a escala indo de 1 (nada masculino) a 7 (totalmente masculino). O grau de concordância intraparticipante foi alto, ou seja, cada mulher avaliou de forma consistente a voz de um mesmo homem nos três tipos de fala. O grau de concordância interparticipante também foi alto, ou seja, o grupo de mulheres foi consistente ao avaliar a voz de cada homem.
A masculinidade atribuída pelas ouvintes variou entre 1 e 7, com média de 5. Homens com frequência fundamental mais grave foram percebidos como mais masculinos (também correlação moderada entre estas duas variáveis).
Portanto, em relação aos homens, o estudo demonstrou correlação negativa moderada entre concentração de testosterona na saliva e frequência fundamental da voz. Em relação às mulheres, o estudo demonstrou que elas são sensíveis a pistas de dimorfismo sexual nas vozes masculinas.
Referências
[1] Behlau, M.; Tosi, O. & Pontes, P. A. (1985). Determinação da frequência fundamental e suas variações em altura (jitter) e intensidade (shimmer) para falantes do português brasileiro. Acta AWHO, 4: 5-9.
[2] Cartei, V.; Bond, R. & Reby, D. (2014). What makes a voice masculine: Physiological and acoustical correlates of women’s ratings of men’s vocal masculinity. Hormones and Behavior, 66: 569-576.